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Os indígenas e os públicos engajados/interessados foram convidados a falar sobre as principais contribuições da arte e da cultura para o fortalecimento das narrativas dos povos indígenas e sobre os povos indígenas no Brasil.
"A arte indígena, os múltiplos cinemas e a literatura indígena foram identificados como “marcas muito fortes", “que mudaram a cena cultural do país nesta última década".
As expressões artísticas dos povos indígenas foram descritas como “um universo vasto, complexo, antiquíssimo de produção de sentido” e como um “poderoso antídoto contra as muitas crises que estamos vivendo, incluindo a crise de imaginação”.
Ailton Krenak foi um dos nomes mais citados como um dos principais pensadores e intelectuais do país. Um dos seus livros, “Ideias para Adiar o Fim do Mundo”, já vendeu mais de 120 mil exemplares e foi traduzido em nove idiomas além do português — inglês, espanhol, francês, italiano, alemão, holandês, norueguês, turco e tcheco. “O Ailton Krenak é uma figura muito forte e dialoga desmontando a nossa linguagem. Dominaram a nossa linguagem e agora destroem o nosso discurso a partir da nossa linguagem.” “A Queda do Céu”, de Davi Kopenawa e Bruce Albert, também foi muito lembrado. “‘A Queda do Céu’ é o maior dos marcos. Davi toma o lugar do antropólogo.Você entra no mundo da cosmologia Yanomami, no lugar deles no mundo, mas também no lugar dos brancos no mundo (...). Às vezes, pensamos em narrativas dos povos originários como algo do passado, mas o livro contém uma força dramática extremamente contemporânea.”
Alguns entrevistados descreveram a atuação dos escritores como fundamentais para a difusão das culturas indígenas para a sociedade brasileira. Daniel Munduruku, Kaká Werá, Olívio Jekupé e Eliane Potiguara foram descritos como nomes precursores da literatura indígena textual, fenômeno que foi situado nos anos 1990 e apontado como um outro fenômeno decorrente da Constituição de 1988. Daniel Munduruku, autor de mais de 50 livros, foi identificado como um nome comprometido em “puxar muitos outros”. O autor teve três obras selecionadas entre as finalistas do Prêmio Jabuti em 2021 e foi um dos candidatos a ocupar a Academia Brasileira de Letras (ABL).
A contribuição do antropólogo, indigenista e documentarista franco-brasileiro Vincent Carelli, enquanto precursor da formação de cineastas indígenas no Brasil, foi destacada por entrevistados indígenas e não indígenas. Em 1987, Vincent Carelli criou a organização não governamental Vídeo nas Aldeias. A instituição, que comemorou 35 anos em 2021, conta com um acervo único, precioso e histórico de imagens sobre os povos indígenas no Brasil.
A existência não de um cinema indígena, mas de “vários cinemas indígenas”, foi apontada por públicos engajados, especialmente antropólogos, artistas indígenas e curadores, uma vez que o audiovisual feito por indígenas retrata suas vidas, sendo elas, portanto, diferentes entre as etnias que se expressam. O cinema feito por indígenas foi mencionado ainda como importante ferramenta política para a reivindicação de direitos e para o registro de suas ancestralidades, territórios e oralidades, e como uma novidade às linguagens adotadas pelo documentário brasileiro. Alguns entrevistados destacaram o interesse do público por filmes indígenas, usando como exemplos obras que estão circulando amplamente na internet, como “As Hiper Mulheres”, de Carlos Fausto, Takumã Kuikuro e Leonardo Sette; e “A Casa dos Espíritos”, de Morzaniel Yanomami, ambos com mais de um milhão de visualizações no YouTube.
Filmes dirigidos por não indígenas, como “Piripkura” e, mais recentemente, “A Febre” e “A Última Floresta”, foram lembrados como “muito sensíveis” na maneira em retratar o universo indígena para públicos mais amplos. Programas de TV, séries e entretenimento, como “Falas da Terra” e “Aruanas”, foram descritos como “muito necessários”, “essenciais para comunicar fora da bolha” e “falar para as massas”. “Precisamos privilegiar o entretenimento. As pessoas querem se divertir, não só aprender, e podem aprender muito achando que estão apenas se divertindo.”
A emergência da arte indígena contemporânea foi destacada não apenas pela imensa criatividade, beleza e sofisticação, mas também por desafiar as narrativas e as linguagens hegemônicas; por questionar e evidenciar apagamentos históricos a partir da perspectiva indígena; e por tensionar e ampliar o próprio conceito de arte, com práticas fundamentadas na coletividade, na ancestralidade e nas cosmovisões indígenas. Artistas como Jaider Esbell (falecido em 2021) e Denilson Baniwa foram bastante citados, assim como “Véxoa: Nós sabemos”, primeira exposição de arte indígena da Pinacoteca de São Paulo, com curadoria da pesquisadora e artista educadora Naine Terena.
A cena musical indígena apareceu pontualmente entre as respostas, embora venha ganhando as redes e os palcos nos últimos anos. Entre os principais nomes emergentes mencionados estiveram o dos Brô MCs, primeiro grupo de rap indígena do Brasil, que estará nos palcos do Rock in Rio em 2022; e o de Kaê Guajajara, que lançou seu primeiro álbum, “Kwarahy Tazyr”, em 2021. Em 2022, deve ser lançado “O Futuro é o Ancestral”, projeto sociocultural e cinematográfico de registro de processos de criação musical entre indígenas e o DJ Alok.
O teatro e a fotografia foram ainda menos citados que a música, e os dois artistas mais lembrados foram Juão Nyn, que no espetáculo “Tybyra” conecta o universo indígena a temas LGBTQIA+; e Uýra, artista indígena contemporânea, bióloga e educadora, que se define como “a árvore que anda”. No final de 2021, foi lançada a plataforma digital do TePI – Teatro e os povos indígenas, que traz a importância do protagonismo artístico indígena em sua expressão e representatividade, e entende o teatro em sua diversidade de formas e valoriza o corpo como potência estética e política.
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Os indígenas e os públicos engajados/interessados foram convidados a falar sobre as principais contribuições da arte e da cultura para o fortalecimento das narrativas dos povos indígenas e sobre os povos indígenas no Brasil.
A arte indígena, os múltiplos cinemas e a literatura indígena foram algumas das expressões artísticas identificadas como “marcas muito fortes”, “que mudaram a cena cultural do país nesta última década”, ainda que alguns entrevistados tenham questionado essa divisão entre a vida e a arte, sem muito sentido para os indígenas.
A emergência da arte indígena contemporânea foi destacada não apenas pela imensa criatividade, beleza e sofisticação, mas também por desafiar as narrativas e as linguagens hegemônicas; por questionar, criticar, recontar e evidenciar apagamentos históricos a partir da perspectiva indígena; e por tensionar e ampliar o próprio conceito de arte, com práticas fundamentadas na coletividade, na ancestralidade e nas cosmovisões indígenas.
Legenda: Apresentação “Ruku” - Jaider Esbell
Crédito: Galeria Millan
DOMINARAM A NOSSA LINGUAGEM PARA DESCONSTRUÍ-LA
Para alguns dos entrevistados, o fato dos indígenas terem se apropriado da nossa linguagem foi um grande pulo, um acontecimento notável, que não é exclusivo da última, mas das últimas décadas.
Ailton Krenak foi um dos nomes mais citados pelos públicos engajados e interessados, descrito como um dos principais pensadores e intelectuais do país, autor de best sellers, doutor honoris causa multiplex e muito mais – mais em Principais vozes.
“Ideias para Adiar o Fim do Mundo” vendeu mais de 120 mil exemplares e “A Vida Não é Útil”, quase 50 mil. Contando com as edições que já saíram e as que ainda estão por vir, a obra dele chegará a nove idiomas além do português — inglês, espanhol, francês, italiano, alemão, holandês, norueguês, turco e tcheco. Ailton Krenak, agora um best seller, teve seu primeiro livro autoral, “Como um rio como pássaro”, em parceria com o fotógrafo Hiromi Nagakura, publicado no Japão no fim dos anos 1990.
Ailton Krenak é ainda cocriador do projeto Selvagem Ciclo de Estudos sobre a Vida, experiência voltada a articular conhecimentos a partir de perspectivas indígenas, acadêmicas, científicas, tradicionais e de outras espécies, em parceria com a editora Anna Dantes. O projeto inclui rodas de conversa, grupo de pesquisa, publicações, ciclos de leituras e projetos audiovisuais, a partir de práticas que valorizam os conhecimentos das perspectivas indígenas, acadêmicas, científicas e artísticas. A comunidade Selvagem reúne atualmente cerca de 800 pessoas que apoiam voluntariamente a produção de textos e a comunicação do projeto.
Crédito: Selvagem ciclo de estudos sobre a vida
Ele também foi lembrado por ser “pioneiro e inovador no uso de meios de comunicação para a desconstrução de estereótipos sobre os povos indígenas no Brasil”. Nos anos 1980, foi um dos apresentadores do “Programa de Índio”, transmitido pela Rádio USP, e, em 2000, da série “Índios no Brasil”, uma produção da “Vídeo nas Aldeias” para a TV Escola. Mais recentemente, fez a consultoria para a criação e escolha de personagens para “Falas da Terra”, especial da TV Globo exibido em abril de 2021, com 21 depoimentos de indígenas em primeira pessoa e participação de cineastas e artistas indígenas como coautores.
O manifesto xamânico de Davi Kopenawa
Publicado na França em 2010 e no Brasil em 2015, “A Queda do Céu”, de Davi Kopenawa e Bruce Albert, é resultado de um trabalho conjunto de mais de 30 anos. O livro, que já vendeu mais de 30 mil cópias no Brasil, é descrito como um “relato excepcional, ao mesmo tempo testemunho autobiográfico, manifesto xamânico e libelo contra a destruição da Floresta Amazônica”.
O livro de Davi Kopenawa e Bruce Albert, por exemplo, inspirou o espetáculo “Before the Sky Falls”, da dramaturga e diretora teatral Christiane Jatahy, e o espetáculo de dança “Para Que o Céu não Caia”, de Lia Rodrigues, por exemplo.
No cinema, a obra inspirou os filmes “A Última Floresta”, do diretor Luiz Bolognesi, que tem Davi Kopenawa como corroteirista, e, mais recentemente, o filme “A Queda do Céu”, de Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha, em fase de produção.
Crédito: Companhia das Letras
A literatura da oralidade, também contemporânea
Ainda que as obras de Ailton Krenak e de Davi Kopenawa tenham sido as mais citadas como os grandes marcos da última década, alguns entrevistados, especialmente nomes do campo da arte e da cultura e artistas indígenas, descreveram não apenas livros, mas a atuação de diversos escritores indígenas como fundamentais para a difusão das culturas indígenas para a sociedade brasileira.
Daniel Munduruku, Kaká Werá, Olívio Jekupé e Eliane Potiguara foram lembrados como nomes precursores da literatura indígena textual, fenômeno que foi situado nos anos 1990 e apontado como também decorrente da Constituição de 1988.
A Lei 11.645/2008, que incluiu no currículo da rede de ensino a obrigatoriedade da temática história e cultura afro-brasileira e indígena, foi citada como tendo sido responsável por maior interesse e procura do mercado editorial por produções indígenas. Segundo alguns dos entrevistados, foi por isso que os autores indígenas priorizaram inicialmente os educadores e o público infantil.
Daniel Munduruku, doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), com pós-doutorado em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), autor de mais de 50 livros, foi identificado como um nome comprometido em “puxar muitos outros”.
Em parceria com a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), ele promove há 18 anos o Encontro de Escritores e Artistas Indígenas e também os concursos de novos escritores indígenas Curumim e Tamoio. Ele é também diretor-presidente do Instituto Uka e do selo Uka Editorial e cofundador da primeira livraria online especializada em livros de autores indígenas.
Ganhador de diversos prêmios ao longo de sua carreira, Daniel Munduruku teve três obras selecionadas entre as finalistas do Prêmio Jabuti em 2021 — “A origem dos filhos do estrondo do trovão: uma história do povo Tariana”, “Redondeza” e “Crônicas indígenas para rir e refletir na escola”. Também em 2021, foi um dos candidatos a ocupar a Academia Brasileira de Letras (ABL). Se eleito, teria sido o primeiro indígena a se tornar imortal pela ABL.
A candidatura do escritor indígena contou com o apoio de mais de 100 artistas e escritores, entre eles Alice Ruiz, Chico Buarque, Milton Hatoum, Marcelo Rubens Paiva e Xico Sá. Em uma carta à ABL, eles destacaram que “Daniel Munduruku foi dos primeiros inspirados a escrever histórias inspiradas nas mitologias e modos de vida dos indígenas brasileiros para o público infantil, expandindo a cultura dos povos originários a todas as crianças brasileiras”.
Para Daniel Munduruku, a literatura indígena deve ser reconhecida além do livro impresso, abarcando a tradição oral e os conhecimentos imateriais e ancestrais da memória dos povos originários.
De acordo com Julie Dorrico, existem atualmente cerca de 60 autores indígenas no Brasil, número similar à lista da Bibliografia das Publicações Indígenas do Brasil.
Julie Dorrico, doutora em teoria da literatura pela PUC-RS, autora da obra Eu sou macuxi e outras histórias, colunista do UOL e curadora do canal Literatura Indígena, criou, junto com Moara Tupinambá, Paolla Vilela, Isabel Ramil e Vini Albernaz, a websérie Leia Autoras Indígenas, para difundir a literatura indígena de autoria feminina. A websérie inclui episódios como “A Palavra como Terra na Perspectiva Puri” e “Ficção Indígena Guató nas Narrativas Regionais”. Em fevereiro de 2022, Julie Dorrico lançou o Manifesto da Literatura Indígena Contemporânea.
Legenda: A literatura indígena: conhecendo outros brasis
Crédito: TEDx Talks
Em 2012, o ‘artivista’ Jaider Esbell (falecido em 2021) publicou o seu primeiro livro, Terreiro de Makunaima – Mitos, lendas e estórias em vivências, no qual se identifica como neto de Macunaíma e defende a reapropriação da figura pelos indígenas, muito diferente do anti-herói de Mário de Andrade. Na cultura macuxi, Makunaima é um dos filhos do Sol, responsável pela criação mítica de todas as plantas comestíveis existentes na floresta.
No livro Literaturas da Floresta: Textos Amazônicos e Cultura Latino-americana, a professora de estudos brasileiros da Universidade de Manchester Lúcia Sá analisa como narrativas indígenas influenciaram autores sul-americanos, como as coletadas pelo etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg, que tiveram enorme impacto sobre o autor de Macunaíma, Mário de Andrade.
Ainda assim, um dos antropólogos entrevistados destacou que ainda “são pouquíssimas as traduções, os estudos densos, detalhados, sobre narrativas ameríndias no Brasil, análogos aos que a gente encontra, por exemplo, sobre as culturas clássicas, da Grécia arcaica e tantas outras”.
A ancestralidade, as cosmovisões indígenas e as críticas ao colonialismo têm sido também tema de obras de escritores brasileiros não indígenas, como o best seller “Torto Arado”, de Itamar Vieira Junior, que, em 2020, recebeu o Prêmio Jabuti de melhor romance literário e, em 2021, foi o livro mais vendido na Amazon Brasil; “O Som do Rugido da Onça”, de Micheliny Verunschk, que conta a história das crianças indígenas sequestradas por Carl Martius e Johann Spix no início do Século XIX, a partir do ponto de vista de Iñe-e, menina do povo Miranha; e “Terra Preta”, romance de estreia de Rita Carelli sobre uma adolescente de classe média de São Paulo que mergulha na cosmovisão indígena quando passa a morar em uma aldeia indígena do Alto Xingu, onde seu pai, um arqueólogo, busca pistas sobre a ocupação humana milenar da região.
O PIONEIRISMO DO VÍDEO NAS ALDEIAS
A contribuição do antropólogo, indigenista e documentarista franco-brasileiro Vincent Carelli, enquanto precursor da formação de cinemas indígenas no Brasil, foi destacada por entrevistados indígenas e não indígenas — até mesmo entre aqueles que não foram formados por ele. Em 1987, Vincent Carelli criou a organização não governamental Vídeo nas Aldeias. Autodidata, Vincent Carelli começou a fazer cinema a partir do seu envolvimento com os índios e do desejo de registrar o que ele estava vivendo como indigenista. Como ele mesmo descreve, o seu cinema “nasce do encontro, do trabalho na relação e, sobretudo, a partir da reflexão sobre o que a elaboração de imagens despertam nos indígenas e o que é gerado a partir dali, da própria fricção com a vida, com suas urgências e com os desejos das comunidades e dos indígenas que se envolvem”.
O projeto Vídeo nas Aldeias, que comemorou 35 anos em 2021, conta com um acervo único, precioso e histórico de imagens sobre os povos indígenas no Brasil — uma coleção de mais de 70 filmes, mais de 60 prêmios entre festivais nacionais e internacionais e muitas horas de filmagens ainda a ser digitalizadas e catalogadas, mas sem apoio financeiro para a condução dessas atividades no momento.
Legenda: Vídeo nas Aldeias (1989)
Crédito: Vídeo nas Aldeias
Linguagens, estéticas, cinemas indígenas no plural
A existência de “vários cinemas indígenas” foi apontada por públicos engajados, especialmente antropólogos, artistas indígenas e curadores, uma vez que o audiovisual feito por indígenas retrata suas vidas, sendo elas, portanto, diferentes entre as etnias que se expressam. O cinema foi mencionado ainda como importante ferramenta política para a reivindicação de direitos e para o registro de suas ancestralidades, territórios e oralidades, e como uma contribuição inestimável e novidade às linguagens que vêm sendo adotadas pelo documentário brasileiro.
Crédito: Sheffield DocFest
Além da diversidade de formatos e de linguagens, os cineastas indígenas falaram sobre o cinema como instrumento de luta e de resistência e como uma obra de produção coletiva.
Legenda: Programa Convida: Nhemongueta Kunhã Mbaraete, conversas n.1
Crédito: Instituto Moreira Salles (IMS)
Ampla circulação na internet, obras premiadas, mais entretenimento
Alguns entrevistados destacaram o interesse do público por filmes indígenas, usando como exemplos obras que estão circulando amplamente na internet, como “As Hiper Mulheres”, de Carlos Fausto, Takumã Kuikuro e Leonardo Sette; e “A Casa dos Espíritos”, de Morzaniel Yanomami, ambos com mais de um milhão de visualizações no YouTube.
Legenda: “A Casa dos Espíritos”
Legenda: “As Hiper Mulheres”
Filmes dirigidos por não indígenas, como “Piripkura” e, mais recentemente, “A Febre” e “A Última Floresta”, foram ocasionalmente lembrados como “muito cuidadosos”, “muito sensíveis” na maneira em retratar o universo indígena para públicos mais amplos, não apenas no Brasil, mas também internacionalmente. Os filmes de Vincent Carelli, em particular "Martírio", também foram apontados como “fundamentais”, pois deram “grande visibilidade para a luta de retomada da terra”.
“A Última Floresta", que teve Davi Kopenawa como corroteirista, representa uma tendência, crescente, de incorporar indígenas nas produções audiovisuais sobre eles. O filme teve estreia mundial no Festival de Cinema de Berlim em março de 2021 e, no Brasil, no encerramento do festival É Tudo Verdade, no mês seguinte. Foi o filme brasileiro mais premiado de 2021, incluindo o Prêmio do Público no Festival de Berlim, Melhor Diretor no Festival de Guadalajara e Melhor Filme no Seoul Eco Film Festival. O filme estreou na Netflix em novembro de 2021.
Programas de TV, séries e entretenimento, como “Falas da Terra” (mais em Cobertura da imprensa) e “Aruanas”, foram descritos como “muito necessários”, “essenciais”, para comunicar “fora da bolha”, seja pelo formato, seja pelo elenco que “fala para as massas”, seja pelas “campanhas de impacto bem estruturadas” que acompanham essas obras posteriormente.
A série “Aruanas” foi uma produção original da Globo, coproduzida pela Maria Farinha Filmes, lançada em junho de 2019, que contou com uma parceria técnica com o Greenpeace e o apoio da Apib, da Anistia Internacional, do WWF, do Instituto Socioambiental, da SOS Mata Atlântica, da Global Witness, da Avaaz, da 350.org, entre outras organizações. Definido como o primeiro “suspense ambiental” da televisão brasileira, “Aruanas” teve pré-estreias em Londres e Nova York e lançamento em mais de 150 países após sua estreia no Globoplay.
Crédito: Teaser primeira temporada da série Aruanas
Alguns dos cineastas indígenas ouvidos também mencionaram que estão interessados em experimentar linguagens e formatos, para além do cinema documental.
A potência, a beleza e as provocações da arte indígena contemporânea
A última década também foi marcada pela criatividade e sofisticação do trabalho de artistas indígenas como Jaider Esbell, Denilson Baniwa, Daiara Tukano, Gustavo Caboco, entre outros, e pela ocupação da arte indígena nas principais instituições de arte do país (Museu de Arte Moderna de São Paulo, Pinacoteca de São Paulo, Bienal de São Paulo, Instituto Goethe, Museu de Arte do Rio), questionando e desafiando os mecanismos da arte contemporânea e colocando em pauta discussões também sobre o que é entendido por arte no Brasil.
Há inúmeros exemplos icônicos de mais espaço para arte indígena por instituições culturais no país. Nos últimos anos, diversos artistas indígenas vêm sendo indicados ao Prêmio Pipa, um dos mais importantes do país. Em 2019, a antropóloga Sandra Benites se tornou a primeira curadora indígena do Museu de Arte de São Paulo e, em 2020, a pesquisadora e artista educadora Naine Terena foi responsável pela curadoria de “Véxoa: Nós sabemos”, primeira exposição de arte indígena da Pinacoteca de São Paulo, que contou com a presença de 23 artistas/coletivos de diferentes regiões do país, apresentando pinturas, esculturas, objetos, vídeos, fotografias, instalações, além de uma série de ativações realizadas por diversos grupos indígenas. No ano seguinte, a “34ª Bienal de São Paulo – faz escuro mas eu canto”, que contou com cinco indígenas brasileiros – Daiara Tukano, Sueli Maxakali, Jaider Esbell, Uýra e Gustavo Caboco –, passou a ser chamada também de a Bienal dos Índios. Paralelamente à Bienal, foi organizada a mostra coletiva “Moquém_Surarî: arte indígena contemporânea”, uma correalização com o Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, com curadoria de Jaider Esbell.
Crédito: MAM - Museu de Arte Moderna de São Paulo
MOVIMENTO COLETIVO E ANCESTRAL QUE NOS DESAFIA
Em novembro de 2021, com a notícia da morte precoce de Jaider Esbell, o seu amigo e parceiro Denilson Baniwa, em um gesto de luto, cobriu suas obras então expostas em museus com um tecido preto. Em uma carta sobre o assunto, Denilson afirmou: “peço com muito respeito ao Jaider e aos artistas indígenas passados-presentes-futuros que cuidemos que esse caminho aberto por nós nunca seja interditado, nunca deixe o mato cerrar. Que nós, eu e você limpemos o caminho sempre e que num futuro próximo seja mais fácil caminhar nele. Cuidemos da memória de Jaider Esbell. E principalmente, cuidemos para que seja mais leve o caminhar, o nosso e de outras pessoas. Pois entendendo que, se o sucesso e topo a que tanto lutamos, tem como resultado a tragédia, sinto que preciso pensar ainda mais sobre que tipo de arte indígena eu tenho que construir. E se a recepção que o mundo da arte ocidental nos deu, levou um de nós ao grave fim, preciso pensar ainda mais em que tipo de relação quero manter com a arte ocidental. Eu vou desacelerar ainda mais, até o ponto que seja um cooper e não um triathlon. Meu trabalho continuará em honra de Jaider Esbell, assim como era em memória de tantos outros parentes indígenas antes de mim. Se é pela arte que resistiremos, vai ser pela arte. Mas da minha parte ela não será para satisfazer a fome de nenhum glutão da arte”.
Também em fevereiro, foi anunciado que Jaider Esbell e mais quatro artistas brasileiros estarão na mostra da próxima Bienal de Veneza, que acontece de abril a novembro de 2022, intitulada “The Milk of Dreams”, ou o leite dos sonhos, remetendo a um livro da artista surrealista britânica Leonora Carrington. Com curadoria de Cecilia Alemani, a exposição convida para uma viagem por meio das metamorfoses do corpo e das múltiplas formas de humanidade para imaginarmos outros modos de nos relacionarmos com os mundos e seus diversos seres e entes.
Diversos museus têm passado por processos de revisão de seus acervos, inclusão de obras de artistas indígenas, assim como nos países colonizadores existem vários processos de repatriação de bens culturais e de coleções estabelecidas como parte do legado colonial, assim como projetos que repensam o papel dos museus em meio à emergência climática.
Mais recentemente, como parte da reflexão decolonial sobre o seu próprio acervo, o Museu Paraense (Mupa) convidou os artistas indígenas contemporâneos Denilson Baniwa e Gustavo Caboco para encabeçar um projeto chamado "Retomada da Imagem". Denilson e Gustavo mergulharam nos acervos das imagens do museu que representam povos indígenas e compartilharam com o público as reflexões geradas durante o processo de pesquisa.
As principais instituições e iniciativas culturais no Brasil citadas pelos entrevistados engajados/interessados foram o Prêmio Pipa, o Sesc, o Itaú Cultural, o Instituto Goethe, o Instituto Moreira Salles (IMS) e a Pinacoteca de São Paulo, essa última especialmente pela exposição “Véxoa: Nós Sabemos” e seus desdobramentos. Também foram apontadas como muito relevantes e ainda escassas, iniciativas locais e autônomas de artistas indígenas, em diferentes regiões do país, como a Galeria Jaider Esbell de Arte Indígena Contemporânea, que existe há treze anos em Boa Vista, Roraima.
Em fevereiro de 2022, a Galeria Jaider Esbell informou que seguirá atuando para ampliar a circulação da obra do artista e para contribuir com o fortalecimento do movimento da arte indígena no Brasil.
Além das exposições inéditas e novos projetos, artistas indígenas e curadores têm questionado o espaço permanente para a arte indígena no acervo, os orçamentos das instituições e demandado parcerias de longo prazo e não pontuais.
Experiências imersivas, arte nas ruas e beats ancestrais
Um número menor de pessoas falou sobre a importância do uso da adoção de realidade virtual e aumentada para aproximar e apresentar os modos de vida dos povos indígenas do restante da sociedade.
Uma parceria entre a Mesosfera, Playground Entertainment, WeSense, Factum Arte/Factum Foundation, People’s Palace Projects e Associação Indígena Kuikuro do Alto Xingu (AIKAX) foi realizada para a produção de uma instalação imersiva, inaugurada no The Horniman Museum and Gardens, em Londres. O projeto combinou objetos e artefatos tradicionais Kuikuro e a captação de dados digitais com práticas de conservação do patrimônio cultural de padrão internacional, como fotogrametria e escaneamento e impressão 3D, ferramentas de captura de movimentos e de realidade virtual e aumentada (RV/AR). A ideia foi proporcionar ao público uma experiência imersiva no dia a dia, no meio ambiente, nos mitos e nas histórias, na dança, no grafismo, na arte decorativa, no artesanato e nas práticas culturais de uma aldeia indígena do Alto Xingu.
Um número menor de pessoas mencionou a arte de rua, por e sobre povos indígenas, como uma das novidades mais importantes, que também vem ganhando mais espaço no Brasil, principalmente, por serem mais democráticas e acessíveis à população como um todo. As colagens decoloniais como expressão artística, especialmente o trabalho das artistas Moara Tupinambá e Gê Viana e intervenções artísticas nas ruas sem assinaturas, também foram apontadas como cada vez mais presentes.
Em Belo Horizonte, é realizado desde 2017 o CURA, um dos maiores festivais de arte pública do país. Idealizado pelas produtoras Janaína Macruz, Juliana Flores e pela artista Priscila Amoni, o festival teve a artista Arissana Pataxó como uma das suas curadoras em 2020. O festival foi responsável pelas empenas de prédios mais altas da América Latina pintadas por mulheres; pela primeira empena de prédio pintada por uma mulher indígena, “Selva Mãe do Rio Menino”, de Daiara Tukano; e pelo apoio e instalação da obra “Entidades”, de Jaider Esbell, no Viaduto de Santa Tereza, em Belo Horizonte.
A cena musical indígena apareceu muito pontualmente entre as respostas dos públicos engajados, embora venha ganhando as redes, os palcos, mais visibilidade e reconhecimento nos últimos anos. Há “um verdadeiro levante”, descreveu a jornalista, roteirista e produtora Renata Tupinambá, cofundadora da Rádio Yandê e criadora do podcast “Originárias”, para a revista Marie Claire. Junto com a pesquisadora e musicista Magda Pucci, Renata Tupinambá foi curadora do "Indígenas.BR - Festival de Músicas Indígenas", do Instituto Cultural Vale.
Entre os principais nomes citados como emergentes estiveram o dos Brô MCs, primeiro grupo de rap indígena do Brasil, de Mato Grosso do Sul, que estará nos palcos do Rock in Rio em 2022; e o de Kaê Guajajara, que lançou seu primeiro álbum, “Kwarahy Tazyr”, em 2021, e uma das 33 artistas contempladas pela plataforma Natura Musical em 2022.
Em 2021, o DJ e produtor musical Alok se apresentou no evento Global Citizen Live ao lado de indígenas Yawanawá e Huni Kuin. Neste ano, deve ser lançado “O Futuro é o Ancestral”, projeto sociocultural e cinematográfico de registro de processos de criação musical entre indígenas e Alok, desenvolvido com a Maria Farinha Filmes.
O teatro e a fotografia foram ainda menos citados que a música, e os dois artistas mais lembrados foram Juão Nyn e o espetáculo Tybyra, que conecta o universo indígena a temas LGBTQIA+; e Uýra, artista indígena contemporânea, bióloga e educadora, que se define como “a árvore que anda”.
No final de 2021, foi lançada a plataforma digital do TePI – Teatro e os povos indígenas, que traz a importância do protagonismo artístico indígena em sua expressão artística, resultado do trabalho da artista, curadora, diretora e pesquisadora Andreia Duarte de levar os indígenas para dentro da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo (MITsp) para discutir performance, teatro e representatividade, em parceria com Ailton Krenak. “Encarar as danças, os rituais, as pajelanças de forma performática, mas não redutoras, como formas performáticas que integram a vida e a espiritualidade.”
Em relação à fotografia, além de Sebastião Salgado (mais em Imagens icônicas), o trabalho da fotógrafa Claudia Andujar e a exposição “Claudia Andujar: a luta Yanomami”, do Instituto Moreira Salles (IMS), foi ocasionalmente lembrado, especialmente por entrevistados da sociedade civil e do campo da arte e cultura, como uma “obra pioneira, militante e que nos remete aos sonhos e cosmologias dos Yanomami”. A retrospectiva da obra de Claudia Andujar foi dedicada aos Yanomami, com aproximadamente 300 imagens e uma instalação da fotógrafa e ativista. A exposição teve a curadoria de Thyago Nogueira, coordenador da área de fotografia contemporânea do IMS, que mergulhou no acervo de mais de 40 mil imagens da artista.
Crédito: Casa 1
A arte indígena, “esse universo vasto, complexo, antiquíssimo de produção de sentido”, foi apontada como “antídoto contra as muitas crises que estamos vivendo, e também contra a crise de imaginação”.