Dados, estudos e sistemas de conhecimento

Capítulo 7

Dados, estudos e sistemas de conhecimento

pra você que tá sem tempo...

Os indígenas e os públicos engajados/interessados foram convidados a comentar a relevância e o impacto de estudos que mostram a importância dos povos indígenas para a conservação das florestas e para as soluções climáticas. Uma parcela destacou a atenção que começou a ser dada aos povos indígenas por órgãos e fóruns internacionais, como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), como resultado de uma série de pesquisas, artigos científicos e relatórios produzidos nas últimas décadas. 

Apesar de críticas pontuais ao que foi chamado de relação utilitarista com os indígenas, a maioria dos entrevistados descreveu os estudos como relevantes e importantes, ainda que não tenham sido devidamente divulgados ou considerados para a formulação de políticas públicas no país. 

Trabalhos de organizações brasileiras foram os mais citados pelos públicos engajados. Os dados disponibilizados pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) foram citados recorrentemente mais uma vez. Entre estudos específicos, os do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), como o que mostra porque as terras indígenas são importantes barreiras ao desmatamento e reservas de carbono, foram os mais lembrados. 

Carlos Nobre, Antônio Nobre, Manuela Carneiro da Cunha e Eduardo Neves foram os nomes mais mencionados, especialmente pelos próprios cientistas, jornalistas da grande imprensa e ONGs ambientalistas, e Eduardo Viveiros de Castro, por jornalistas e entrevistados do campo da arte e da cultura.  

A participação efetiva de indígenas em projetos de pesquisas; a inserção do conhecimento tradicional como conhecimento científico e tecnologia; e a necessidade de novas formas de (co)produção de conhecimento estiveram entre as principais ponderações dos entrevistados, especialmente os indígenas. 

Propostas e projetos de pesquisa que vêm sendo elaborados tentando incorporar em alguma medida essas questões foram destacados. A Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), chamada de “IPCC da biodiversidade”, foi descrita por cientistas como uma grande novidade nesse sentido. O relatório global IPBES, lançado em 2019, desenvolveu mecanismos para a integração do conhecimento indígena, tradicional e local no aperfeiçoamento da governança global da biodiversidade. 

O Painel Científico para a Amazônia (SPA, sigla em inglês) e o Amazônia 4.0 foram os projetos mais citados entre os que “tentam inovar na participação e inclusão de povos tradicionais na elaboração de caminhos sustentáveis para o bioma”. O SPA, iniciativa composta por mais de 200 cientistas e pesquisadores da Amazônia, lançou seu primeiro relatório durante a COP26 e pediu o embargo do desmatamento de áreas críticas da Amazônia e a garantia de direitos dos povos indígenas. 

Mais do que comentar a importância e o impacto de estudos científicos, o reconhecimento da ONU e quetais, diversos entrevistados estavam interessados em apontar o enorme crescimento de estudantes indígenas nas universidades e o número cada vez maior e mais importante de dissertações em diferentes campos como uma das principais novidades da última década.  Em 2018, eram 57.706 indígenas matriculados em universidades no país, um crescimento de 695% em relação a 2010.  

Outro destaque foram os novos cursos e programas voltados aos saberes tradicionais e experiências de ensino e pesquisa pluriepistêmica e não-hegemônicos que vêm sendo estabelecidos nas universidades, como o Programa de Formação Transversal em Saberes Tradicionais, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Além disso, diversas lideranças e artistas têm recebido título de notório saber, como Sueli Maxacali, Ailton Krenak e Babau Tupinambá. Davi Kopenawa foi eleito membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

Ainda que o contexto político seja completamente desfavorável, os juristas destacaram que faltam estudos sobre a realidade indígena nos territórios e de laudos antropológicos para processos de demarcação de territórios indígenas, um trabalho que poderia avançar em parceria com as universidades. “Esse é um dos temas mais urgentes do país há tempos." 

Além da agenda climática e das cosmologias indígenas, o tema da alimentação foi o mais comentado, visto com maior potencial de conectar a população não indígena. Os sistemas alimentares; a soberania alimentar; a agroecologia; a agricultura regenerativa; e a contribuição da produção de alimentos por povos tradicionais foram descritos como assuntos que devem ganhar ainda mais atenção nos próximos anos. 

Restauração florestal, pagamento por serviços ambientais, índices ESG, relação clima-floresta-recursos hídricos, cadeias e financiadores globais de desmatamento, resiliência e justiça climática, economia do bem viver e os bens comuns, justiça de transição e reparação histórica e a abordagem transfronteiriça desses assuntos foram apontados como outros temas emergentes. 

Os públicos não engajados aspiram por circulação de “informações de boa qualidade”. Dentre eles, os economistas foram os que mais demandaram estudos acadêmicos, relatórios de instituições e fontes mais variadas de informação. Os jornalistas regionais valorizam a produção de universidades e institutos locais e lamentam que não tenham alcance em todo o Brasil.

“No momento, não importa a qualidade do estudo produzido. A gente está em um país negacionista da ciência.”

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“Os povos indígenas e tribais são os melhores guardiões das florestas da América Latina e do Caribe. As taxas de desmatamento na América Latina e no Caribe são significativamente mais baixas em territórios indígenas e de comunidades tradicionais onde os governos reconhecem formalmente os direitos territoriais coletivos”, conclui e detalha um relatório lançado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) em 2021, elaborado com base em mais de 300 estudos publicados nas últimas duas décadas.

Os indígenas e os públicos engajados/interessados entrevistados para a pesquisa foram convidados a comentar sobre a relevância e o impacto desses estudos e de outros no Brasil na última década. Entre os formadores de opinião de públicos não engajados, buscamos identificar se conheciam esses dados e pesquisas. 

Muitas outras questões surgiram durante as entrevistas, como o amplo conhecimento científico no Brasil a respeito de saberes dos povos indígenas, especialmente os da Amazônia; os esforços mais recentes para reuni-los e sintetizá-los, muitos ainda circunscritos à academia e voltados a elaborar propostas para uma Amazônia sustentável; a regularização fundiária e a demarcação de terras indígenas como uma agenda há muito urgente do país; as iniciativas, os caminhos e os desafios para incorporar conhecimentos indígenas como parte do que hoje é considerado e aceito pela ciência ocidental; a ‘revolução silenciosa’ das cotas para estudantes indígenas nas universidades. 

Uma parcela dos entrevistados destacou e reconheceu a atenção e o espaço que começaram a ser dados aos povos indígenas nas conferências climáticas, no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), na FAO e em outros órgãos e fóruns internacionais como resultado de uma sucessão de pesquisas, artigos científicos e relatórios de ONGs produzidos nas últimas décadas.

Crédito: Reprodução Instagram
“Hoje, o IPCC reconhece os povos indígenas como atores cruciais para as metas climáticas. Isso é uma grande vitória, é um indicativo do bem sucedido trabalho da academia e da sociedade civil, que conseguiram fornecer dados e evidências para que isso acontecesse.”
(ONG internacional)
“Foi um grande marco a sucessão de papers científicos e relatórios de ONGs que mostram que o desmatamento é muito menor em terras indígenas, menor até que em unidades de conservação.”
(Assessor de Comunicação)
"​​É difícil citar um nome porque o recorte é muito enviesado para aquilo que a gente trabalha, né? O conjunto de trabalhos que foi feito mostrando a questão de como os indígenas seguraram a questão do desmatamento na Amazônia, são dados muito concretos sobre o potencial de mitigação, sobre o que se traduz naquilo que é a moeda que esse mundo conversa, que é toneladas de carbono por hectare.”
(Cientista)
“Apesar de infindáveis estudos, disso estar mais que provado, acho que as pessoas estão começando a se dar conta disso só agora. Achei que fosse parte do senso comum, mas, se fosse, esse último estudo da ONU não teria tido o impacto que teve. A minha reação quando eu vi aquilo foi: ‘ah, mais um’. Na verdade, não foi mais um, foi assim, big news.”
(Jornalista)

Legenda: Coletiva de Imprensa do lançamento do estudo "Povos indígenas e tribais e a governança florestal na América Latina e no Caribe"

Crédito: FAO

"Nós, como comunidade global, estamos vendo quais são os instrumentos para viabilizar o nosso projeto de sobreviver no planeta e é assim que os povos indígenas entram nessa história. Essa retórica de povos indígenas como guardiões das florestas pode ser bem instrumental, utilitarista até. Se a gente pensar, ao menos é melhor que um instrumento ruim e pode ser uma cunha para começarmos a fomentar discussões além do utilitário."
(Cientista)
“Vou ser muito honesta com você, eu não gosto desse discurso utilitarista que diz que eles são bacanas porque eles protegem o meio ambiente. De um lado, o mundo ultra-neo-hiper liberal e do outro, os índios ali para salvar a população inteira quando todas as condições não lhe foram dadas. Eu não gosto do discurso não, mas é fato.”
(Jurista)

Importantes, super importantes, importantíssimos

Apesar das ressalvas, a maioria de entrevistados engajados/interessados de diferentes segmentos descreveu os estudos como “fundamentais”, “relevantes” e “importantes”, de longe, o adjetivo mais utilizado.

"Super relevantes. Não que estudos científicos sejam muito influentes, mas eles ajudam a mídia a tocar o tambor, geram reconhecimento social.”
(Assessor de Comunicação)
“Super importantes. São dados da realidade e ajudam a fortalecer narrativas, embora os direitos indígenas não devam ser protegidos apenas porque defendem o meio ambiente. Bem, de qualquer maneira, essa é uma proposta política cada vez mais assumida pelo próprio movimento indígena."
(Jurista)
“A violência, o apagamento é tão grande, que a gente se perde muito fácil numa cegueira histórica e circunstancial também. Essas pesquisas são muito importantes, porque elas são pontes tradutórias, pra gente começar a entender certas coisas a partir de linguagens assimiláveis a organismos estatais, à grande imprensa e ao público.”
(Curadora)
“Acho que os estudos tiveram impacto sim.​​ E tiveram uma relevância imensa para as alianças entre organizações não indígenas com os povos indígenas. Fundamentados nesses discursos, muitas linhas de financiamentos para a criação e a proteção de terras indígenas acabaram sendo mobilizadas pela cooperação internacional."
(Antropóloga)
“Esses estudos geram uma validação, tornam certas coisas inquestionáveis porque estão ali no mapa, visíveis. Isso é fundamental, porque artistas, personalidades e intelectuais de outras áreas que talvez não se sentissem sempre seguros a falar, com os dados a coisa muda e o apoio deixa de ser visto como achismo.”
(ONG nacional)
“Acho que essa junção entre ciência e militância é bem importante, inclusive para a gente sair das nossas bolhas. As nossas bolhas são pequenas.”
(Artista indígena)
“Os dados desses estudos são hoje parte dos argumentos do movimento indígena.”
(Assessor de Comunicação)

Em 2019, houve o reconhecimento pelo IPCC de que proteger os direitos de povos indígenas e comunidades locais é uma solução crítica para a crise climática. À época, organizações indígenas e de comunidades locais de 42 países publicaram uma declaração na qual afirmavam que o reconhecimento fazia parte de um conjunto cada vez maior de evidências que mostram que garantir os direitos às terras aos povos das florestas é essencial como parte das soluções climáticas. 

Legenda: IPCC reconhece o papel dos povos indígenas e comunidades locais no combate às mudanças climáticas

Crédito: If Not Us Then Who

Pouco difundidos. É preciso bater na tecla, incansavelmente!

Mais do que os estudos elaborados por instituições internacionais, foram os trabalhos de organizações brasileiras os mais mencionados espontaneamente por públicos engajados. Entre estudos específicos, os do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) foram os mais lembrados, especialmente por cientistas e sociedade civil, como os que mostram porque as terras indígenas são importantes barreiras ao desmatamento e reservas de carbono na Amazônia. A maior parte dos indígenas não mencionou nomes de instituições, ou pesquisas específicas.

Carlos Nobre, Antônio Nobre, Manuela Carneiro da Cunha e Eduardo Neves foram os nomes mais lembrados, especialmente pelos próprios cientistas, jornalistas da grande imprensa e ONGs ambientalistas; e Eduardo Viveiros de Castro, por jornalistas e entrevistados do campo e da cultura.

“Acho que a ciência e, sobretudo, os estudos que, com apoio do sensoriamento remoto, começaram a entender as dinâmicas de uso da terra no Brasil, trouxeram uma luz que põe o papel desses territórios em uma outra escala. E, ao mesmo tempo, aí veio o outro lado: ‘nossa, mas olha, tudo isso aqui é terra indígena’.”
(Cientista)
"Tem o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe, que traz uma visualização muito importante. O MapBiomas tá avançando também. Isso é uma coisa que o ISA já fazia, num certo sentido. O ISA foi pioneiro em toda área de cartografia, imagem de satélite, mas isso hoje tá ganhando uma outra escala.”
(Antropólogo)

Crédito: Reprodução facebook

“Por mais que a nossa ciência esteja super capenga, tem muita coisa produzida, não dá para jogar tudo fora. Acho que tem estudos muito interessantes, dos irmãos Nobre, do Paulo Artaxo, tem o Inpe, o Inpa, uma série de estudos que conectam floresta e economia.”
(Cientista)
“​​Em 2015 ou 2016, o Ipam fez um estudo, um relatório grande sobre as terras indígenas na Amazônia brasileira, no qual colocam de maneira muito clara porque são importantes barreiras ao desmatamento e reservas de carbono. Era nesse momento que os relatórios do IPCC começaram a olhar a Amazônia não apenas como reservatório de biodiversidade, mas como uma região importante para evitar mais problemas com relação à crise climática. O relatório foi bem divulgado no Brasil, inclusive pela mídia.”
(Cientista)
“Há um conjunto de estudos do World Resources Institute – WRI que quantificou o benefício econômico da proteção dos territórios indígenas. É claro que grupos indígenas não quantificam as coisas como o nosso modelo ocidental, que precisa medir tudo, que não valoriza as coisas a menos que tenham um número, mas foi justamente por isso que esses trabalhos receberam atenção."
(Jornalista internacional)

Ainda que considerados marcos importantes e influentes entre nichos específicos, a maior parte de entrevistados de públicos interessados/engajados, incluindo os cientistas e os indígenas, afirmaram que esses estudos ainda não foram devidamente divulgados, ou considerados para a formulação de políticas públicas no país. Um pequeno número se lembrou de estudos que deram respaldo à formulação de políticas públicas como a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) e a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI). 

“Precisamos aprofundar e divulgar mais isso. É uma demanda que venho apresentando com muita frequência, a importância de usar mais os dados sobre a contribuição dos nossos territórios para o clima e para o meio ambiente. Ainda há muito desconhecimento sobre isso.”
(Liderança indígena)
“Como cineasta amigo da causa indígena e ambientalista, eu diria que é esse o caminho, mas falta uma estratégia de comunicação eficiente.”
(Cineasta)
“Eu acho que o problema não é a falta de dados, dados a gente tem. Mas os achados de pesquisa científica ficam na academia, ficam nas ONGs, ficam com os especialistas que estão trabalhando, ou ficam com as empresas de cosméticos que estão se apropriando dessas coisas dos ativos. Acho que a gente faz pouco uso disso. Temos a informação, mas não agimos sobre a informação.”
(Doadora nacional)
“Acho que esses estudos tiveram sim alguma visibilidade. Mas as coisas precisam ter continuidade, porque a galera esquece. É preciso bater na tecla, incansavelmente. A gente tem amor pelo tema e você vai atrás, mas em termos de divulgação dessas pesquisas, acho muito carente.”
(Jornalista)
“Os estudos são importantíssimos, mas pouco difundidos. Eles estão aí para derrubar a ‘religião agro’, da monocultura, da exportação de commodities, etc, que fazem da gente um país mais pobre.”
(Escritora)

Crédito: SBPC

Essa percepção foi ainda mais forte entre os públicos interessados, mas não engajados.

“Acho que não, acho que não se usou suficientemente isso – relação dos povos com clima e proteção ambiental – para reforçar a agenda indígena. Acho que tem um universo de coisas para divulgar sobre o que já existe e um universo de coisas para descobrir.”
(Doadora nacional)
“Não são bem conhecidos, mas são uma pauta cada vez mais recorrente hoje do que há alguns anos. No Brasil, o papel dos territórios indígenas ainda não está compreendido. Meio ambiente e povos originários são temas separados para a grande população. Minha impressão é que não existe conexão, tratam como se o território indígena estivesse preservado por acaso ou por causa daquilo que é visto como pobreza.”
(Roteirista/Produtora de TV)

Essa percepção foi confirmada por públicos não engajados. Ainda que muitos reconheçam a conexão dos povos indígenas, essa associação não foi mencionada espontaneamente com frequência nas entrevistas, com exceção de formuladores de opinião mais próximos à agenda ambiental.

“A imprensa se nutre de estudos técnicos. Como vai divulgar, divulgar o quê? Não tem conteúdo para divulgar.”
(Economista)

Uma outra barreira apontada por entrevistados engajados e interessados foi a linguagem dos estudos e dos cientistas, considerada muito técnica e elitista.

"É como se os cientistas falassem para uma pessoa branca de classe média ou alta e, na verdade, como essas pessoas entendessem do que está sendo dito. Se já tem problema de comunicação aí, imagine para as populações tradicionais, as comunidades rurais, os pobres, ou seja, a maioria da população – o que está sendo dito não faz o menor sentido. A linguagem da mudança climática é uma linguagem muito elitista."
(Doadora internacional)
“É muito difícil falar a linguagem certa, que chegue no ouvido de segmentos menos engajados da sociedade. É muito confortável a gente ficar só no nosso nicho da ciência.”
(Cientista)

Legenda: Webinário O que podemos aprender com o conhecimento ancestral indígena?

Crédito: Ipam Amazônia

“A campanha que eu faço não é só em termos de promoção da cultura indígena, mas de modificação da cultura científica. Os cientistas recebem muita pressão para publicar com o ‘compliquês’ para ser aceito por seus próprios pares, mas acabam não chegando à sociedade."
(Cientista)
"Às vezes, essa linguagem técnica não reflete o que os indígenas diriam. Costumamos dizer, por exemplo, que a mãe terra está doente.”
(Liderança indígena)

Alguns entrevistados, em particular jornalistas, reconheceram esforços de cientistas em busca de melhor comunicação com a sociedade.

“Eu vejo cientistas brasileiros, cada vez mais, falando sobre problemas reais. Carlos Nobre, Antonio Nobre, Raoni Rajão, Mercedes Bustamante, tem um monte de cientistas. Eles apareceram com muito mais força nos últimos tempos e acho que estão aprendendo a se comunicar melhor. Não adianta só o artigo científico, né? O artigo científico é muito importante para o cientista, mas o cientista tem que contar que o artigo científico existe, pra quê ele existe e todo o resto."
(Jornalista)
subcapítulo

Rios voadores, considerado um exemplo de sucesso

Ainda que não especificamente sobre povos indígenas e comunidades tradicionais, o fenômeno conhecido como rios voadores foi o exemplo mais citado de projeto com ampla divulgação científica, hoje uma referência para a imprensa e diferentes públicos. 

“A questão dos rios voadores foi um sucesso para elevar a importância da Amazônia. Ali se conseguiu traduzir em quatro bullets a relação entre quem mora no Sudeste e a floresta."
(Doador nacional)
Crédito: Árvore Ser Tecnológico
“O fenômeno dos rios voadores é um ótimo exemplo, porque ele virou quase uma entidade nacional, é tratado como uma teoria amplamente aceita.”
(Assessor de Comunicação)
“A história dos rios voadores foi uma sacada genial. Uma ideia simples de entender, que cria uma imagem muito forte e poderosa, e atingiu dois públicos alvos: povo do agrobusiness e das áreas urbanas do Sudeste. Além disso, o Antonio Nobre é um ótimo comunicador.”
(Cientista)
“Essa é uma narrativa científica recente que contribuiu para compreensão do público de conceitos importantes. É muito bonita, muito fácil de entender e também mexe com a nossa imaginação. Por isso que pegou.”
(Cientista)

O Projeto Rios Voadores teve início em 2007 e foi idealizado a partir de longas  conversas entre o aviador Gérard Moss (falecido em 2022) e o pesquisador do Inpe Antonio Nobre, e subsequente colaboração de Eneas Salati e outros cientistas envolvidos no tema como José Marengo, Pedro Dias e Reinaldo Victoria. 

O projeto contou com patrocínio da Petrobras, por anos, para atividades de divulgação e de educação ambiental que incluíram expedições, produção de materiais e atividades em escolas ao redor do país. 

Segundo o cientista Antonio Nobre, a divulgação foi um sucesso porque foi empacotada em uma narrativa gostosa, impressionante, que trata a audiência como uma criança empolgada, interessada em aprender mais. 

“Como é que é isso? Então tem rios de vapor no ar? A campanha tem que produzir brilho nos olhos e não a sensação de culpa. Falar do uso excessivo de água, energia etc, você está atuando no campo da culpa. A grande maioria das pessoas se fecha pra isso. Acho que é um exemplo de como se adaptar ao ‘short attention-span’ do mundo de hoje. O resultado, inclusive, retro fertilizou a própria comunidade científica.”
“As pautas ambientais são, se você quiser, podem facilmente ser rotuladas como antissociais. Você quer diminuir consumo de combustível fóssil, aumentar o preço da gasolina, que em todo lugar é uma pauta explosiva. Você quer evitar o aumento das emissões do desmatamento na Amazônia, e pra isso o Carlos Nobre fala que tem que reduzir o consumo de carne. Agora, a pergunta é: a gente vai ficar nessa, ou você vai criar substitutos que possam dar luz a essa discussão de uma outra maneira?”
(ONG nacional)

Legenda: Antonio Donato Nobre mostra que tem um rio em cima de nós
Crédito: TEDXAmazônia

Participação como autores, produtores de conhecimento

A participação efetiva em projetos de pesquisas; a inserção do conhecimento tradicional como conhecimento científico e tecnologia; e a necessidade de novas formas de (co) produção de conhecimento foram descritas como questões das mais urgentes para alguns dos indígenas e cientistas ouvidos, eventualmente apontadas também por entrevistados de outros segmentos.

“Não queremos ser informantes, queremos ser autores. Os estudos em geral ainda tratam os indígenas como meramente informantes.”
(Antropólogo indígena)
“A gente precisa olhar para o conhecimento tradicional em todas as camadas que ele existe, como uma tecnologia e como um guia prático da vida coletiva.”
(Curadora)
"São importantes essas mensagens que vêm de instituições renomadas, mas os institutos poderiam potencializar a voz de quem sabe, unir as vozes de organismos e de povos indígenas.”
(Cineasta indígena)
“As populações indígenas e as comunidades tradicionais entraram nesses processos no vácuo do movimento ambientalista, sem voz, sem agência e sem a liderança na formulação de narrativas, como parte de um contrato para se alcançar objetivos ambientais e anseios de direitos à terra. Hoje, é importante reconhecer que as organizações indígenas ganharam protagonismo, liderança, assumiram a formulação das narrativas sobre conservação e começaram a trazer um outro elemento, as diferenças de visão de mundo e como essas diferenças permeiam as relações desses povos com o que chamamos de natureza. Então, uma narrativa que era bastante de manejo de recursos, continua como tal, mas passa a ganhar um arcabouço ontológico, muito visível nessas discussões. E esse não deixa de ser um momento delicado, porque é muito difícil pra essas populações navegarem nessas diferenças, nessas outras maneiras de ver o mundo, com um discurso pragmático sobre desenvolvimento econômico, direitos de terra, decisões sobre várias coisas. Então, hoje esse espaço, que antes era dominado mais pela questão material e de recursos, começa a conviver com essa tensão, esse desafio, de valorizarmos e criarmos uma agenda política baseada na diferença ontológica.”
(Antropólogo)
"Durante muito tempo, os indígenas foram taxados de idiotas. ‘Ah, eles falam que aquele monte de pedra é uma mulher’. As pessoas achavam que eles eram crianças, que eles estavam viajando, né? Hoje em dia, a gente sabe que isso tudo faz parte de um conjunto de significado e de experiências no território, que é exatamente o que, inclusive, permitiu que eles permanecessem ali. Agora eles inclusive estão nos desafiando sobre isso nas universidades.”
(Antropólogo)
Crédito: Agência Pública

Um pé na aldeia outro na universidade

Mais do que comentar a importância e o impacto de estudos científicos, o reconhecimento da ONU e quetais, diversos entrevistados estavam interessados em apontar o enorme crescimento de estudantes indígenas nas universidades e as mudanças que vêm sendo geradas por esse fenômeno como uma das novidades mais significativas da última década no Brasil.

De acordo com o Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), eram 57.706 indígenas matriculados em universidades no país em 2018, um crescimento de 695% em relação a 2010. Desses, 42.256 estavam matriculados em instituições privadas.

A maior parte dos entrevistados atribuiu o aumento do número de estudantes à lei de cotas nas universidades, em vigor desde 2012, alguns citando políticas anteriores, como o Programa Universidade para Todos (Prouni) do Ministério da Educação, e políticas específicas, como as políticas afirmativas da Universidade Estadual do Mato Grosso (Unemat), que há 20 anos tem um mestrado específico para os povos indígenas.

“​​São exatamente 10 anos de um início de um processo que foi algo que ocorreu no Brasil inteiro, da chegada de um maior número de pessoas indígenas nas universidades, né?”
(Antropólogo)
Crédito: Verônica Holanda/Cimi
“A UnB foi pioneira na questão das cotas para indígenas. Hoje, temos mais de 50 mil estudantes indígenas em universidades ao redor do país. Acho que isso é maravilhoso. São eles que vão fazer a sociedade olhá-los como pessoas que não são enfeites, que não são passado, não são aquilo que a gente costuma se lembrar no dia 19 de abril.”
(Jurista)
“​​Tive o enorme privilégio de ver a transformação que as cotas fizeram nas universidades. Ter alunos indígenas dentro da sala de aula, ter indígenas no movimento estudantil, a presença de negros, de grupos socialmente mais desfavorecidos, isso tudo mudou a cara da universidade. E isso mudou muito o entendimento que os outros estudantes tinham dessas realidades. Hoje, os jovens convivem num ambiente muito mais diverso.”
(Cientista)
“Minha esperança é nessa juventude que passou pelas universidades, que está conseguindo fazer o gancho com conhecimento tradicional, que está renovando as organizações. Vai ser essa juventude que vai definir e direcionar as ações e as narrativas nos próximos anos.”
(Doador nacional)
Crédito: Nexo

Algumas pessoas destacaram um maior número de indígenas chegando também à pós-graduação. No período inicial da pesquisa, a notícia da tese de João Paulo Tukano, primeiro indígena a defender doutorado em Antropologia pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) – “Kumuã na kahtiroti-ukuse: uma teoria sobre o corpo e o conhecimento-prático dos especialistas indígenas do Alto Rio Negro” – era compartilhada com entusiasmo em posts nas redes sociais.

“Tem um outro fenômeno importante, o ingresso de cada vez mais indígenas em cursos superiores, incidindo numa produção textual cada vez maior e mais importante, com dissertações em diferentes campos. A Célia Xakriabá, por uma educação territorializada. O Tiago Oliveira, que tem o livro que ele acabou de lançar, ‘No Tempo em que eu Caçava Tatu’, que é um Guarani-Nhandeva aqui do interior de São Paulo. Tem o Timóteo Potiguara, que escreveu um livro há uns anos atrás, ‘A Terra é Uma Só’. Há inúmeras dissertações e TCCs nos acervos das universidades, como na Federal de Santa Catarina, na Federal da Grande Dourados, na UFMT, enfim… Lá na região Norte do país, você tem uma produção profícua de TCCs também e cada vez mais de dissertações e de teses. No mês passado, o João Paulo Tukano, que é um autor muito importante, defendeu o seu doutorado. Tem a Sandra Benites e a Nelly Marubo, no Museu Nacional (…) São muitos os nomes. Essa é outra frente muito importante também, né?”
(Antropóloga)
“Todos os pós-graduandos indígenas de Norte ao Sul do Brasil que eu conheço têm como temática de suas pesquisas a sua cultura, sua língua, seus desenhos, ou seu modo de organização social. Ou seja, as suas pesquisas são voltadas aos seus povos e as suas histórias."
(Antropólogo indígena)
“A produção acadêmica dos estudantes indígenas é muito interessante. Ela tem uma pegada interna, ela conta uma história com uma densidade biográfica pessoal muito grande.”
(Antropólogo)
“Quando elas entram na universidade, fazem mestrado, ganham uma outra capacidade de repercussão de suas falas, de intervenção no debate e de visibilidade.”
(Filósofa)

Outras várias teses foram citadas e apresentadas como "históricas", "inéditas", "excepcionais", “singulares”, como “Vukápanavo: O despertar do povo terena para os seus direitos, do coordenador jurídico da Apib, Eloy Terena; e “A literatura indígena contemporânea no Brasil: a autoria individual e a poética do eu-nós”, da escritora, pesquisadora e curadora Julie Dorrico. 

Alguns dos acadêmicos destacaram que o ingresso e as pesquisas dos indígenas têm levado ao questionamento e a mudanças de práticas estabelecidas em diferentes campos de conhecimento. 

“Tem um trabalho que ainda vai ser publicado, que é muito simples, mas super importante. O estudante mostra que as falas dos ministros (do Supremo), como elas anulam os indígenas. Eles dizem coisas, por exemplo, que eles não sabem produzir. Mas, quem é que vai trabalhar nas terras Xukuru para os fazendeiros? São os indígenas. Por isso, eu acho que a gente ainda tem que investir muito em pesquisas como essa, em dissertações, botar a boca no mundo.”
(Jurista)
“O Jair Munduruku, o trabalho dele questiona essa ideia do abandono. Para a arqueologia, uma das coisas que define o que é um sítio arqueológico, ou se um material é arqueológico, não é a idade, não é que tem mil anos, é a questão de ter sido abandonado, de ter sido descartado. Para os Munduruku, nenhum lugar está abandonado, esses lugares estão vivos, têm espíritos lá, as carcaças dos animais estão vivas, elas podem escutar o que as pessoas dizem. Então, isso tem implicações sobre o que a gente pode coletar, ou se a gente pode fazer uma escavação. A partir do momento em que a gente tem indígenas se tornando arqueólogos, muitas práticas que pra nós eram automáticas ou naturais vão ser questionadas, né?”
(Cientista)
"Isso é uma mudança bastante importante e significativa, não só pela presença desses grupos na universidade, mas o que eles demandam ao entrarem, né? Porque esses grupos que estão entrando, e eles não estão só entrando com muitas dificuldades, permanecendo e concluindo os cursos, mas estão demandando coisas. Na área de ciências humanas, isso é mais expressivo do que em outras áreas. Os alunos negros e indígenas querem se sentir representados nos planos de ensino da disciplina. E eles estão cobertos de razão. Durante muito tempo, tivemos uma antropologia ou uma sociologia ou uma ciência política excessivamente branca, masculina.”
(Antropólogo)
Legenda: II Mobilização Nacional dos Estudantes Indígenas e Quilombolas, em Brasília (DF)
Crédito: Laila Menezes/Cimi

Já os indígenas compartilharam especificidades de serem eles à frente das pesquisas, e os debates e demandas pela descolonização dos espaços e a incorporação dos conhecimentos indígenas em estruturas que ainda devem se tornar mais inclusivas e acolhedoras.

“As narrativas não indígenas que falam sobre povos indígenas são muito contadas a partir da escuta dos homens, é como se as mulheres não produzissem conhecimentos, mas as mulheres são detentoras de muitos conhecimentos.”
(Antropóloga indígena)
“É diferente quando um parente te dá uma aula, é diferente quando um parente debate uma questão a partir da nossa realidade. Eu não entrei na antropologia para seguir as regras, eu entrei para mostrar que também temos conhecimentos que não estão na narrativa das pessoas que escreveram sobre nós. Ainda é muito difícil conquistar espaços na academia, mas estamos aí, nesse processo de fazer as coisas acontecerem.”
(Antropólogo indígena)
“Precisamos descolonizar a ciência, parar de chamar de macumbeiro, de feitiçaria, de magia e não sei que tal, e considerar devidamente o nosso conhecimento indígena, o conhecimento dos quilombolas, dos ribeirinhos, dos negros, né? A ciência, pesquisadores, também têm seu modelo de conhecimento que perpassa por mecanismos de objetivação das coisas. Nós também temos conhecimentos epistemológicos. Precisamos conversar de igual para igual, e isso nunca tem acontecido. Precisamos promover novas formas de produção de conhecimento e novas formas de lidar com as diferenças.”
(Antropólogo indígena)
subcapítulo

Brasil, um país multilíngue

Poucos entrevistados, em sua maioria antropólogos, destacaram a importância das línguas indígenas para os conhecimentos tradicionais. Um pequeno número de representantes de ONGs e doadores internacionais citou estudos sobre a correlação entre conservação ambiental e a diversidade biocultural e a crescente preocupação com a erosão das línguas indígenas.

“Um estudo da Conservação Internacional de 2012 mostra que 70% dos idiomas do mundo são falados em 50 lugares. Esses 50 lugares que falam 70% dos idiomas do mundo são os lugares com as maiores biodiversidades do planeta. Então, tem uma correlação enorme entre diversidade biológica, diversidade linguística e diversidade cultural, o que reforça esse argumento da diversidade biocultural.”
(Cientista)
“O conhecimento tradicional está muito atrelado às línguas. Precisamos fazer uma aliança entre os trabalhos linguísticos de defesa e projetos, fortalecimento de línguas indígenas.”
(ONG internacional)

O Brasil não conta com um mapeamento sobre o número de línguas faladas no país. Segundo o Censo 2010, baseado em autoidentificação, são 274 as línguas indígenas faladas no país, número contestado por especialistas.  

Ainda assim, estima-se que existam hoje um total de 154 línguas indígenas faladas no Brasil, segundo a reportagem sobre o livro “Línguas indígenas: tradição, universais e diversidade”, de Luciana Storto, professora do Departamento de Linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP).

Uma nova pesquisa coordenada pelo Grupo de Estudos, Mediações, Discursos e Sociedades Amazônicas da Universidade Federal do Pará (UFPA) identificou 34 línguas indígenas faladas no Pará. Por meio do projeto, foi elaborado um documentário e um  mapa interativo com a localização de cada terra indígena e com informações sobre o número de falantes de cada língua. 

Crédito: Grupo Gedai

Na segunda parte do sumário executivo do Painel Científico para a Amazônia (SPA), sobre a Presença Humana e Diversidade Sociocultural na Amazônia, foi ressaltado que cerca de 50 das 125 línguas isoladas do mundo são encontradas na Amazônia. “Com mais de 10 línguas isoladas nas cabeceiras dos rios Guaporé e Mamoré, região do tamanho da Alemanha, o sudoeste da Amazônia abriga uma das maiores incidências de isolados linguísticos do planeta.”

“A perda linguística acontece há 500 anos mas, esse enfraquecimento da transmissão linguística tem levado a situações extremas, com línguas que têm de um a cinco falantes. A Covid-19 foi terrível nesses casos críticos levando os últimos falantes. Por outro lado, de uns anos para cá, estamos assistindo a processos muito interessantes de retomada, de revitalização linguística. Há uma série de projetos para registrar essas línguas, com a novidade de pesquisadores indígenas agora também nas universidades.”
(Antropóloga)
“A língua é viva, se não for, é difícil aprender. Os Guarani são muito avançados nesse sentido, estão na linha de frente há muito tempo. As crianças falam Guarani. Uma resistência maravilhosa. No Acre, há experiências maravilhosas. Dizem que os Gavião pintam, mas já não falam.”
(Cineasta)
"Nenhum sistema é saudável sem diversidade, como um sistema biológico e um sistema cultural. E, portanto, eles estão profundamente conectados – a diversidade humana, cultural e linguística."
(Doadora internacional)
"Línguas indígenas é uma área que tem muita falta, deficiência. A gente não tem um programa, por exemplo, de pós-graduação em linguística num estado (Amazonas) que tem o maior número de línguas indígenas no Brasil."
(Cientista)

Em uma pesquisa da Universidade de Zurique, cientistas analisaram 3.597 espécies vegetais e 12.495 usos medicinais associados a 236 línguas indígenas na América do Norte, Nova Guiné e noroeste da Amazônia e estimaram que 75% dos usos de plantas medicinais no mundo são conhecidos em apenas um idioma.

Crédito: Rodrigo Cámara-Leret e Jordi Bascompt

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) estima que 43% das cerca de 6.000 línguas faladas no mundo estão ameaçadas de extinção e para aumentar a consciência sobre questões linguísticas decretou esta a Década Internacional das Línguas Indígenas.

Depois de quatro anos de articulação, reuniões e mobilização, foi lançada, em agosto de 2020, a Articulação Brasileira de Indígenas Antropóloges (ABIA), com o objetivo de “construir uma antropologia desde as diversas ciências indígenas”.

Crédito: InfoAmazonia

Em 2021, como parte das comemorações dos 10 anos das políticas afirmativas do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS/UFAM), foi lançada pela Editora Mil Folhas a coletânea “Paneiro de Saberes – Transbordando Reflexividades Indígenas”, um livro composto por artigos de antropólogos e antropólogas indígenas.

Outro destaque dado às universidades brasileiras durante as entrevistas foram sobre os cursos, programas e espaços voltados aos saberes tradicionais e experiências de ensino e pesquisa pluriepistêmica e não-hegemônicos, como o Programa de Formação Transversal em Saberes Tradicionais, criado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), instituído em 2015; e a Cátedra Kaapora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que tem por finalidade a realização de atividades de extensão, ensino e pesquisa voltadas à multiplicidade de modos de viver, de conhecer e de formas expressivas indígenas, de populações tradicionais, de matriz afro e outras coletividades não-hegemônicas ou contra-hegemônicas em relação à produção de conhecimentos na universidade.

Crédito: Saberes Tradicionais UFMG

Adicionalmente, diversas lideranças e artistas indígenas passaram a receber o título de notório saber e doutor honoris causa, como a escritora Eliane Potiguara, a cineasta Sueli Maxakali, o artista Isael Maxakali, o agricultor do Assentamento Terra Vista (BA) da Teia dos Povos Joelson Ferreira de Oliveira e o cacique Babau Tupinambá.

Também em 2021, Ailton Krenak, que havia recebido o título de honoris causa da Universidade Federal de Juiz de Fora em 2016, recebeu o título de doutor honoris causa da UnB. 

Além disso, o xamã Davi Kopenawa foi eleito membro da Academia Brasileira de Ciências, em gesto de reconhecimento por sua “contribuição na expansão do conhecimento científico, das possibilidades da ciência no país e pela valorização da cultura indígena e de sabedorias ancestrais”.

Crédito: Academia Brasileira de Ciências (ABC)

Entre os entrevistados da população geral e uma minoria dos formadores de opinião não engajados, há uma percepção de que ao acessarem a educação superior e adquirirem bens materiais, os indígenas “mudam” e “deixam de ser índios”. Apenas entre uma minoria, há um entendimento de que os povos indígenas podem incorporar os códigos da sociedade brasileira e formar pontes, sem perder sua identidade.

Ainda que os estudantes indígenas enfrentem diversos desafios na universidade, a dificuldade financeira foi apresentada em entrevistas como a principal delas. E, nos últimos anos, tem diminuído o número de estudantes indígenas atendidos pelo Bolsa Permanência – auxílio financeiro oferecido pelo Ministério da Educação aos estudantes matriculados em instituições federais. Em uma audiência pública na Câmara dos Deputados em outubro de 2021 para discutir o assunto, o estudante Kâhu Pataxó afirmou que a restrição de acesso ao programa prejudica não apenas a continuidade dos cursos, mas o ingresso de novos alunos indígenas.

Regularização fundiária, tema dos mais urgentes do país há tempos

Ainda que o contexto político seja completamente desfavorável, os juristas destacaram que faltam estudos sobre a realidade indígena nos territórios e laudos antropológicos para processos de demarcação de territórios indígenas.

“Precisamos de estudos para priorizar, avançar com a regularização fundiária de territórios tradicionais, mover o que está parado, quando for possível. Esse é um dos temas mais urgentes do país há tempos."

"A Amazônia é um buraco negro, por isso não conseguimos proteger. Precisamos unificar as bases de dados fundiários, e já tivemos iniciativas importantes para isso no país."

“Faltam laudos antropológicos, a Funai não dá conta. Precisamos de parcerias com as universidades públicas para avançar nisso.”

Alguns doadores e ONGs internacionais também lembraram que há cada vez mais grupos e organizações trabalhando como o mapeamento de territórios indígenas ao redor do mundo, especialmente na América Latina, e em projetos pelo reconhecimento do direito territorial de povos indígenas.

“Acho que deveríamos investir mais no mapeamento dos territórios, que pode ser usado para respaldo legal aos direitos de posse de terra e em processos judiciais. Eles acabam sendo também um mapeamento cultural e o uso de tecnologia agrada aos jovens indígenas, sendo uma forma interessante de conectá-los à terra e à cultura."
(Doadora internacional)
“Ainda há um mapeamento muito desatualizado e incompleto dos territórios indígenas. Essa deveria ser uma área prioritária de trabalho."
(ONG internacional)
"As principais evidências científicas de que o Judiciário se vale são os relatos antropológicos, mas não temos todas as lutas bem mapeadas pelas comunidades. Além disso, hoje há uma imensa sobreposição entre terras indígenas e propriedade privada. É perigoso falar de regularização fundiária sem antes reconhecermos e endereçarmos esse grave problema."

Um levantamento do Ministério Público Federal (MPF), com dados de outubro de 2021, revela a existência de quase 10 mil propriedades rurais privadas sobrepostas a terras indígenas no país. 

Iniciativas pioneiras de autocartografia dos povos e comunidades tradicionais, como o projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) foram muito pouco citadas. 

Crédito: Pós-Crítica UNEB

Certamente a partir de um ponto de vista bastante distinto, representantes do agronegócio também destacaram a regularização fundiária como uma prioridade.

“Quando se pensa em crédito rural, se não tiver a regularização fundiária resolvida, dificilmente atrairá financiadores. A iniciativa privada faz parte do processo, mas o governo e a sociedade civil também.”
(Representante do agronegócio)

Propostas para a Amazônia, bioeconomia como o termo da vez 

O Painel Científico para a Amazônia (SPA, sigla em inglês) e Amazônia 4.0 foram os projetos mais citados entre os que “tentam inovar na participação e inclusão de povos tradicionais na elaboração de caminhos sustentáveis para o bioma” por diversos segmentos dos públicos engajados/interessados.  

O SPA, uma iniciativa inédita composta por mais de 200 cientistas e pesquisadores da Amazônia, incluindo cientistas indígenas, lançou seu primeiro relatório durante a COP26. 

Definido como “o mais detalhado, abrangente, e holístico documento de seu tipo sobre a Bacia Amazônica”, o SPA recomenda, entre outros, o embargo imediato para desmatamento de áreas críticas da Amazônia; a restauração de áreas degradadas; uma série de medidas de estímulo à bioeconomia; e defende a garantia de direitos territoriais e de autodeterminação dos povos indígenas e das comunidades locais como parte das estratégias mais importantes para a proteção de biodiversidade e de paisagens bioculturais da Amazônia. 

O Amazônia 4.0 foi apresentado como o projeto que tem “recebido atenção da imprensa”, "construído em parceria com atores fora da academia”, e que “já está saindo do papel, com as primeiras biofábricas chegando ao bioma”. 

“Estamos começando a ver propostas mais abrangentes de novos modelos de desenvolvimento para a Amazônia, como o projeto Amazônia 4.0, que vem sendo articulado por Carlos Nobre.”
(Assessor de Comunicação)
“Tem iniciativas que vêm crescendo, como a Concertação pela Amazônia e Amazônia 4.0, que são muito importantes para avançarmos, ao menos na comunidade científica, em ações propositivas.”
(Cientista)
“O SPA não é só ciência natural, é também ciência social e ciência indígena. Há uma geração mais jovem de cientistas muito interessados em incorporar outros tipos de conhecimento de forma mais articulada.”
(Cientista)
“Acho que o Amazônia 4.0 é uma possibilidade, a tese é boa, mas precisa dizer ainda como vai aterrissar."
(ONG nacional)
"A nossa abordagem não é a mainstream science dando suporte para o conhecimento tradicional. Não é essa a abordagem. O nosso desafio é fazer essa soma e não acoplagem do conhecimento tradicional. Um negócio que não é fácil de fazer."
(Cientista)

Alguns cientistas, representantes da sociedade civil e indígenas levantaram ponderações sobre o conceito de bioeconomia que vem sendo adotado no Brasil, especialmente o que vinha sendo preconizado pelo governo, deixando a impressão de que o assunto ainda precisa ser mais amplamente discutido no país. Por outro lado, houve também críticas ao que foi descrito como falta de ambição por parte da sociedade civil para se contrapor à economia da destruição.

“Pelo que eu percebo, bioeconomia nada mais é do que pegar a informação das populações indígenas e tradicionais para abastecer grandes corporações e pagar a elas algo para manter a floresta em pé. Isso não é justo.”
(Antropólogo indígena)
"Aquelas não são populações que trabalham expediente de 8-18h, não. A lógica da produção de uma população tradicional é completamente diferente. As prioridades de vida dessas pessoas são completamente diferentes. Se você quer envolver e trazer essas pessoas pra participar de atividades econômicas dentro de uma perspectiva de bioeconomia, elas precisam ser trazidas a partir de suas próprias perspectivas culturais e não da perspectiva cultural do empresário. A gente tem que tomar cuidado para elas não serem transformadas em operários da floresta.”
(Cientista)
“O que es​​tá reaparecendo agora vem também de processos do final dos anos 1980 pro começo dos anos 1990, quando você tem uma onda muito grande que se volta ao redor do potencial econômico de bioprospecção para desenvolvimento local com questão ambiental, toda aquela coisa, que levou a uma enorme quantidade de projetos, uma enorme quantidade de investimentos em vários lugares do mundo e a uma onda de frustrações. O paradigma da bioeconomia vem sendo reformulado nos últimos anos, uma parte importante de uma nova narrativa e todo o esforço de reconstruir esse potencial, não necessariamente reconhece que existe uma história, existe uma história cheia de problemas. Esse contexto histórico é muito importante.”
(Antropólogo)
Crédito: Reprodução Twitter

No artigo “Os Desafios para um Modelo Realmente Sustentável e Inovador de Desenvolvimento da Amazônia", os cientistas Helder Queiroz e Mercedes Bustamante afirmam: “em vez de promover uma bioeconomia socialmente cega, é preciso reconhecer e valorizar as abordagens bioculturais dos povos tradicionais e comunidades locais que, ao longo de tantos anos, desenvolveram um profundo conhecimento sobre o meio ambiente e a biodiversidade em seus territórios. É destas populações que devem brotar os protagonistas de suas próprias bioeconomias, os empreendedores e os principais beneficiários”.

“Todo mundo só disputa sobras, as organizações não são ambiciosas, as suas propostas são delimitadas por suas capacidades. Se eu tenho como limite do horizonte de capacidade aquilo que eu posso executar, não vamos mudar nada nunca. Acho que a gente tem ao menos que dialogar e propor caminhos para alguém que tá propondo uma coisa que talvez você diga que não é cabível, mas com um volume de pretensão que é possível, pelo menos do ponto de vista do imaginário, de fazer frente aos que querem destruir tudo.”
(ONG nacional)

IPCC da biodiversidade, floresta habitada, práticas milenares

A Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), chamada de “IPCC da biodiversidade”, foi descrita como uma iniciativa inovadora, ao incorporar os conceitos de natureza dos povos tradicionais e os conhecimentos milenares indígenas como centrais ao processo de conservação e restauração do planeta.

subcapítulo

Natureza, ecossistema, mãe-terra, Pachamama

"Chamada de “IPCC da biodiversidade”, a Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) foi criada em 2012 para subsidiar com conhecimento científico as tomadas de decisões que envolvam a conservação da biodiversidade, bem-estar humano e desenvolvimento sustentável.

Em 2019, a plataforma divulgou o relatório de avaliação global sobre o declínio da biodiversidade no planeta e cenários possíveis para as próximas décadas, compilado por 145 autores especialistas de 50 países, com contribuições de outros 310 autores, resultado de três anos de trabalho.

O relatório, descrito como uma fotografia ambiental do planeta, ganhou bastante visibilidade na imprensa à época, principalmente uma de suas conclusões: um milhão de espécies vegetais e animais estão agora ameaçadas de extinção.

“​​O arcabouço conceitual da IPBES, que guia o trabalho da plataforma, abriu a sua formulação para diferentes perspectivas sobre a natureza, sobre qualidade de vida e sobre as contribuições dos serviços ambientais. Para cada um desses elementos, existe espaço para uma formulação científica e para outras formulações sobre a mesma ideia. Então isso trouxe uma posição e uma narrativa sobre populações indígenas como centrais ao processo de conservação e restauração e tal. A IPBES incorporou isso em seus levantamentos, no levantamento global que gerou um resultado muito forte e virou uma referência, aprovada por uma plataforma intergovernamental composta por 132 países em 2019.”
(Antropólogo)
“No IPCC, os povos indígenas e as comunidades tradicionais entram quase que como vítimas de todo processo, o que é diferente na IPBES, onde aparecem como detentores de conhecimento da biodiversidade, né? Isso talvez seja porque a IPBES tem uma estrutura um pouco mais orgânica que a do IPCC, talvez porque incorpore as ciências sociais. Desde o seu começo, o processo e a curva de aprendizagem da IPBES são muito distintos. Ela já nasceu um pouco mais integrada e por isso traz mais essa discussão dos diferentes sistemas de conhecimento pra dentro do relatório. Mas, mesmo assim, não é um diálogo muito fácil, porque realmente a gente continua tendo dois mundos ainda muito separados.”
(Cientista)

Crédito: WWF International

“Esse foi um grande avanço da IPBES porque permitiu começar a desenhar um modelo intercultural. No mesmo quadradinho, você pode chamar de natureza, pode chamar de ecossistema, pode chamar de mãe-terra, pode chamar de Pachamama. Então, para avançar, precisamos dar esses passos de como a gente pensa primeiro, porque senão você não quebra aquela ideia de que a sua ciência ocidental é superior.”
(Cientista)
“Iniciativas como as da IPBES são bem difíceis de levar adiante, a gente não deve menosprezar o que eles conseguiram realizar em poucos anos. Os cientistas têm muita dificuldade em dialogar e aceitar resultados que vêm de outras áreas, e ecólogos e biólogos normalmente não têm compreensão do contexto social. Há tempos estamos precisando, mais e mais, do cruzamento e trocas entre áreas de conhecimento."
(Cientista)
“É um desafio muito grande para os ecólogos trabalhar com as populações tradicionais, porque têm todo um outro jeito de pensar, de falar, de lidar e um outro tempo, principalmente. E não necessariamente a gente tem grana para financiar isso. A construção de relações de confiança é compreensivelmente demorada. Mas, saber e considerar isso, e mais humildade por parte dos cientistas, ajudaria muito. Afinal, são conhecimentos complementares.”
(Cientista)

Em junho de 2021, cientistas do IPCC e da IPBES, em uma colaboração inédita, lançaram um relatório apontando que as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade estão intimamente interligadas e só serão solucionadas se forem abordadas de forma conjunta.

Assim como o reconhecimento do IPCC, a IPBES ainda é bastante desconhecida no Brasil, apesar de ter sido descrita por alguns dos cientistas ouvidos como uma das grandes novidades da última década.

Com base na revisão de cerca de 15 mil fontes científicas e governamentais, o relatório global da IPBES buscou incorporar, pela primeira vez nessa escala, conhecimentos indígenas e locais e desenvolver mecanismos para a integração do conhecimento indígena, tradicional e local no aperfeiçoamento da governança global da biodiversidade e dos chamados serviços ecossistêmicos. 

“Além de todo trabalho que o terceiro setor faz, do ponto de vista da academia, o que a IPBES está fazendo, construindo essa conversa da ciência com o conhecimento indígena, eu acho muito relevante, muito importante. É um processo lento, difícil, mas ele está acontecendo.”
(Cientista)
Crédito: IPCC

Mais recentemente, em setembro de 2021, a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) aprovou em assembleia uma moção que pede a proteção de 80% da bacia amazônica até 2025, apresentada pela Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA), da qual a COIAB faz parte. A COICA participou pela primeira vez como membro titular do congresso, o que foi considerado um outro avanço em termos da incorporação de demandas dos povos indígenas em espaços conservacionistas. 

O braço brasileiro da IPBES, a Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), lançou 1º Diagnóstico Brasileiro de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos em 2019, no qual detalha, por exemplo, a contribuição de povos indígenas e de comunidades tradicionais para a agrobiodiversidade e para o delineamento de paisagens no território brasileiro, trabalho com muito pouca repercussão no país. 

Legenda: O cientista Fabio Scarano explica o que é a Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmico

Crédito: O Eco

No Brasil, o projeto “Povos tradicionais e biodiversidade no Brasil – Contribuições dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais para a biodiversidade, políticas e ameaças” abordou temas como biodiversidade como legado de povos indígenas e detalha as evidências sobre o consumo de plantas utilizadas no Brasil desde pelo menos 11 mil anos, como a castanha-do-pará, a mandioca e o açaí, por exemplo. 

Sob coordenação de Manuela Carneiro da Cunha, Cristina Adams e Sônia Magalhães, os primeiros resultados do projeto, que incluiu em seu escopo pesquisas interculturais com povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, foram lançados em 2021. 

“Essa grande obra, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, é absolutamente enciclopédica."
(Antropóloga)

Os indígenas como “fazedores de florestas”, as “práticas milenares indígenas", “a floresta habitada”, “as tecnologias indígenas", os “avanços da arqueologia amazônica” e a “Amazônia como bem sociocultural” foram descritos, aliás, como avanços dos mais importantes da ciência nas últimas décadas, ainda pouco conhecidos e a serem melhor estudados.

“Esses povos estão criando ciência e tecnologia neste continente há 13 ou 14 mil anos, manejando a terra, a floresta e a água, desenvolvendo medicina, cuidando do corpo. De repente, chega um conhecimento dito ciência e, com prepotência, nos obriga a negar todos esses conhecimentos.”
(Antropólogo indígena)
“Os estudos do Eduardo Neves que nos trouxeram uma perspectiva de que a Amazônia é manejada há mil anos, e está aí, esta floresta linda etc e tal, eu acho que estes estudos trouxeram uma discussão sobre domesticação de espécies, que tira a discussão do esotérico, pois tem um conhecimento que vem beneficiando nossas espécies por milênios.”
(ONG nacional)
Legenda: Eduardo Góes Neves durante uma escavação arqueológica no rio Unini, Amazonas
Crédito: Eduardo Kazuo Tamanaha
“Esses grupos coletivos, não só os indígenas, que respeitam a natureza, que sabem cuidar de seus territórios, têm o conhecimento de como manejar o meio ambiente há muito, muito tempo. Acho que essas são narrativas muito importantes.”
(Cientista)
“Eu acho que, por exemplo, que todas as contribuições de Eduardo Neves, da arqueologia amazônica contemporânea, da ecologia histórica contemporânea ainda não sejam coisas incorporadas no senso comum sobre a Amazônia.”
(Antropólogo)

Em 2021, a revista científica Frontiers produziu o especial “Aprimorando a regeneração natural para restaurar paisagens”, no qual foi publicado um artigo dos pesquisadores indígenas do Xingu Yakuna Ullillo Ikpeng e Tariaiup Kayabi, junto com Cristina Adams, Marcus Schmidt, Rosely Sanches e Kátia Ono sobre os conhecimentos de povos indígenas para evitar a degradação das terras agrícolas no Território Indígena do Xingu ou restaurar terras que já estejam degradadas.

Há também crescente interesse pelas práticas milenares dos povos indígenas, especialmente no uso do fogo, não somente no Brasil, mas em países como Austrália e Estados Unidos.

Legenda: Tariaiup Kayabi medindo as parcelas de levantamento de floresta incendiada
Foto: Marcus Schmidt

Por outro lado, os impactos das mudanças climáticas nos territórios indígenas foram assuntos que apareceram em algumas entrevistas com os indígenas e também descritos como temas ainda pouco estudados, ainda que seus impactos já sejam sentidos e notados por diversos povos. 

Mais projetos como “Amazad Pana'adinhan – Percepções das comunidades indígenas sobre as mudanças climáticas”, ou de formação em mudanças climáticas e incidência política, promovido pelo ISA e pela Rede de Cooperação Amazônica, foram apontados como necessários e urgentes. 

“A produção do livro Amazad Pana'adinhan foi um desafio enorme de tradução intercultural, especialmente o desafio de apresentar os termos de um debate global sobre mudanças climáticas de maneira que fosse compreendido por comunidades, que, muitas vezes, pouco usam o português.”
(Antropólogo)
Crédito: Conselho Indígena de Roraima (CIR)
“Os povos indígenas são os maiores defensores do manejo do bem viver, da sua forma de cuidar, de proteger os territórios. ​​Nós sabemos a importância, sabemos respeitar esses lugares, mas a mudança climática cada vez mais tá chegando no nosso território.”
(Estudante indígena)

Além da agenda climática e das cosmologias indígenas, o tema da alimentação foi o mais comentado, visto com maior potencial de conectar a população não indígena. Os sistemas alimentares; a soberania alimentar; a agroecologia; a agricultura regenerativa; e a contribuição da produção de alimentos por povos tradicionais foram descritos como assuntos que devem ganhar ainda mais atenção nos próximos anos.

“A gente vive numa economia informal no Brasil e essa economia informal é invisível. A primeira vez que foi computada a contribuição de pequena escala alimentar no Brasil foi em 2006. Ainda não existe um reconhecimento das limitações estruturais, culturais e categóricas, estatísticas que permitam efetivamente refletir sobre as contribuições locais. Nós estamos presos numa formulação do que é agricultura moderna, que é uma formulação muito velha. Isso afeta a distribuição e a proporção de crédito agrícola, mantém a narrativa do agronegócio como modernidade e que trata a produção familiar como se fosse quase um favor. A comunidade científica tem um grande papel nesse problema porque não se faz uma análise crítica, sobre as próprias categorias que nós usamos e o que elas significam. As ciências sociais não têm se preocupado em entrar no mérito desses problemas, em questionar o próprio conceito de agricultura, de desenvolvimento, questionar as categorias usadas e que são tomadas como realidade.”
(Antropólogo)
“A questão da segurança alimentar, dos alimentos que vão para a mesa de brasileiros por meio da agricultura familiar, incluindo as comunidades tradicionais e indígenas, é fundamental. Seria importante mostrar que essa produção é importante e não está nos dados oficiais, porque muitas vezes se trata de produção e comercialização informal.”
(ONG nacional)

Legenda: Webinário: O sistema alimentar brasileiro e suas contradições atuais

Crédito: Ibirapitanga

Os povos indígenas na ciência política e em outros temas emergentes

Alguns representantes da sociedade civil disseram ser importante dar continuidade a estudos que expõem quem são os donos de terras agrícolas e os financiadores do mercado de terras no Brasil, as suas conexões políticas, assim como os subsídios dados ao agronegócio e a falta de transparência sobre o uso desses recursos no país. 

Não só porque a deputada Joênia Wapichana esteve entre as principais vozes da última década, assim como a sua posse entre as principais imagens e momentos-marco desse período, mas também porque houve um recorde de vereadores indígenas eleitos nas últimas eleições, achamos relevante incluir cientistas políticos entre os segmentos chave a serem ouvidos.

Tivemos, entretanto, muita dificuldade em acessar interessados em conceder entrevistas para a pesquisa e acabamos descobrindo que esse é um campo de estudo ainda a ser desenvolvido no país.

“Eu não vi na ciência política um debate importante sobre isso. Tenho uma colega fazendo mestrado, que está estudando partidos indígenas. As referências dela são da América Latina, de países asiáticos, de partidos étnicos nesses lugares que têm um formato de organização mais horizontal, considerando as suas próprias experiências de organização social. A produção dos Estados Unidos, que é a referência de ciência política hoje, vai falar de América Latina, de estudos na Bolívia, no Equador, na Venezuela e no Peru. Aqui no Brasil, você não tem referências, você não tem nada. Não tem nem o interesse. Então é isso pra mim, a visão da ciência política é essa. Não tem, não rola.”
(Cientista política)
“A questão ambiental é objeto, ainda, de uma enorme incompreensão dos cientistas políticos, porque por exemplo, a quantidade de gente que fala: ‘gostaria muito de ouvir a sua opinião política, mas agora, você virou um ambientalista’. Eu digo: ‘não, eu continuo fazendo análise política, apenas que a variável ambiental, sobretudo a mudança climática, passou a ser obrigatória’.”
(Cientista político)

Em outubro de 2021, a Associação Brasileira de Ciência Política lançou o projeto Ciência Política e Povos Indígenas, um repositório de textos acadêmicos sobre as relações entre a ciência política e povos indígenas, coordenado por Leonardo Barros, professor da Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA).

Crédito: Boletim Lua Nova – Revista de Cultura e Política, CEDEC

Restauração florestal, pagamento por serviços ambientais, regulamentação do mercado de carbono, índices ESG, relação clima-floresta-recursos hídricos, cadeias e financiadores globais de desmatamento, economia do bem viver e os bens comuns, resiliência e justiça climática, justiça de transição e reparação histórica e a abordagem transfronteiriça desses assuntos foram outros temas identificados como emergentes.

Os públicos não engajados sugeriram ser necessária a circulação de “informações de boa qualidade”. Dentre eles, o​s economistas foram os que mais demandaram estudos acadêmicos, relatórios de instituições e fontes mais variadas de informação. Os jornalistas da região Norte valorizaram a produção de universidades e institutos locais e lamentaram que não sejam divulgadas em todo o Brasil.

“A gente não consegue uma avaliação de impacto adequada, a gente não consegue discutir dilemas embasados e ter fóruns de discussão como no resto do mundo. Com base num projeto executivo bem feito e com muito detalhe, o poder público poderia enfrentar os temas regulatórios, qual impacto no meio ambiente, qual tipo de compensação, qual impacto sobre os povos, fazer audiências públicas, ouvir as visões e as divisões, discutir com a sociedade as alternativas.”
(Economista)

Ciência pra quê e pra quem?

Diversos entrevistados, em particular os interessados, mas não engajados, destacaram justamente a urgência e a escassez de propostas que ofereçam caminhos para o desenvolvimento do país, respostas práticas para a melhoria da vida da população que votou em Bolsonaro, para uma parcela da população não envolvida com a agenda ambiental, ou que hoje vive do desmatamento.

“Algo que mostrava que as coisas já estavam muito erradas era a situação da Transamazônica e os agricultores que vinham invadindo assentamentos, reservas extrativistas. Um lado do campesinato que aderiu ao mercado de terras e toras ilegais, um sintoma da abrangência desse banditismo na região e algo mais complicado do que o discurso de grandes empresas invadindo terras ilegalmente. Precisamos identificar e nos aproximar dessas pessoas.”
(Cientista)

Na reportagem “Sem Terra de Direita”, parte do especial “Amazônia Sob Bolsonaro”, Fabiano Maisonnave descreve a situação de Rondônia: “no lugar de movimentos sociais, principalmente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), contrários à invasão de terras indígenas, entraram associações desconhecidas e recém-criadas, assessoradas por advogados e escritórios de georreferenciamento, com envolvimento de fazendeiros da região”.

​​Crédito: Folha de São Paulo

“​​A gente só presta atenção nos muito pobres, nos indígenas, nos negros, nas mulheres e nos LGBTs, e olhe lá, mas a gente não presta atenção na pessoa comum, sabe, no brasileiro comum, que é pobre, que é bem empobrecido e que rivaliza com essas pautas.”
(Filósofa)
“O público que você quer atingir ou é ignorante sobre o assunto ou que é cético, né? E esse aí, você não consegue com evangelização. E eu acho que falta demonstração prática de como a população pode se beneficiar com a proteção da floresta, com a proteção dos territórios indígenas.”
(Cientista político)
subcapítulo

Falsas controvérsias e negacionismo no poder

Uma outra questão frequentemente levantada por entrevistados foi sobre a falta de discussão e uso dos achados de estudos - mesmo antes do atual governo - por formuladores de políticas públicas e tomadores de decisão, mesmo nos casos em que esses financiam os projetos de pesquisa.

“Eu lembro dos estudos do Inpe, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e de outras organizações que balizaram, informaram a Política Nacional de Clima no Brasil, a Política de Agricultura de Baixo Carbono, por exemplo. Parece que na última década processos como esses passaram a ser completamente desconsiderados no Brasil.”
(Cientista)
“Os que ainda têm influência ainda não perceberam, ou não querem perceber. O foco não é a vida, mas sim o dinheiro. O sistema capitalista é burro, porque tira do meio ambiente, mas não repõe. Mas isso vai acontecer, porque o clima e o desmatamento têm impacto sobre a economia.”
(Cineasta indígena)
“A gente já teve e tem total condição de fazer, como já fizemos, o uso de estudos científicos para subsidiar metas de redução de desmatamento, objetivos concretos, comprometimento dos estados, planos governamentais.”
(Cientista)
“No Brasil, esses assuntos entraram no debate nacional como aquela coisa: ‘ah, os bagres do Rio Madeira’, entendeu? ‘ah, a perereca não sei de onde’, ‘o cocô petrificado do índio’. Na campanha de 2018, a gente teve o Ciro Gomes falando com muito orgulho que ele não sabia o que era ictiologia. O cara tava coordenando a transposição do Rio São Francisco e se orgulhava de dizer que não sabe o que é ictiologia."
(Assessora de Comunicação)
“No interior do Brasil, o poder político local encara e trata a floresta como um problema e quer destruir essa floresta e quer plantar, diz que vai gerar renda, aquela mesma visão imediatista de sempre, só que agora bombada por um governo abertamente antiambientalista. Em vários estados da Amazônia, está acontecendo muito isso. O índio é visto e tratado como um empecilho ao desenvolvimento local, ele é um inimigo.”
(Jornalista)
"Não acontece por aqui ainda, infelizmente, mas você começa a ter visões ancestrais sendo incorporadas às políticas nacionais. A gente vê o que acontece na Bolívia e no Equador, por exemplo, com o princípio deles do buen vivir, que hoje é incorporado a legislações nacionais, na forma da Lei da Mãe Terra, da Pachamama, que dá direitos à natureza. Todos esses princípios se assemelham nesse mandamento do amor a si mesmo, amor ao próximo e amor à natureza. Então, quando essas coisas começam a se misturar com a lei, na lógica legal e constitucional de países, como na Nova Zelândia, isso começa a fazer parte e mudar efetivamente a realidade."
(Cientista)
Crédito: Direitos da Natureza
Crédito: Direitos da Natureza
Crédito: Direitos da Natureza
Crédito: Direitos da Natureza
Crédito: Direitos da Natureza

Menções à precariedade das instituições científicas; à falta de orçamento à altura de um país de dimensão continental e megadiverso como o Brasil; e o foco dos investimentos em ciência tecnológica foram críticas comuns e não restritas ao atual governo, e a esse governo sendo atribuídos o ataque e o boicote contínuo à ciência.

Além disso, um pequeno número de entrevistados, especialmente da academia e da sociedade civil, compartilhou preocupação e indignação com o que chamaram de pseudociência singular incorporadas e fortalecidas às narrativas de Jair Bolsonaro e aliados.

“Acho que tudo isso que a gente está vivendo na Amazônia e essa narrativa pró-destruição do Bolsonaro que vai se consolidando na cabeça das pessoas se agrava com os argumentos pseudotécnicos que o Evaristo de Miranda coloca na mesa, porque hoje você vai para o campo e as pessoas falam dos 60% de área protegida no Brasil.”
(Doador nacional)
“Essa guerra de narrativas está deixando tudo muito confuso, o que é fato, o que é fake, é um momento muito confuso, mas que vai passar.”
(ONG nacional)
"Hoje você tem grupos pequenos, com visões que antes eram periféricas, ligadas ao ceticismo climático, a um Evaristo de Miranda da vida – que fala que o Brasil é o país mais sustentável do mundo e o resto é invenção, que com a ascensão do governo do Jair Bolsonaro e o mau uso das redes sociais, foram se tornando mainstream.”
(Cientista)

Um grupo de 12 pesquisadores publicou um artigo desmentindo teses do engenheiro agrônomo Evaristo de Miranda, da Embrapa, usadas para embasar políticas antiambientais do governo:

Crédito: Reprodução Twitter

"Em um período de cerca de três décadas, o dr. Miranda e seu grupo se opuseram sistematicamente ao consenso científico para contribuir com os movimentos políticos que visam adiar a ação ou desmantelar as principais políticas de conservação.”

O artigo identificou impactos em diferentes agendas, como Código Florestal, aplicação das multas por crimes ambientais e terras indígenas, cujas demandas por demarcações, por exemplo, eram divulgadas como excedendo o tamanho do território nacional.

“No momento, não importa a qualidade do estudo produzido. A gente está em um país negacionista da ciência. E não estamos falando sobre pessoas que não conhecem o conhecimento científico, estamos falando sobre pessoas que destroem o conhecimento científico, que destroem a credibilidade da ciência, para tirar proveito. Está muito claro que é gente que se aliou ao pior, a uma bandidada, que atua na Amazônia, no Brasil rural. Isso dificulta muito tudo."
(Jornalista)

Apesar disso tudo, ou talvez justamente por isso, integrantes da sociedade civil fizeram questão de ressaltar que dados e informações têm sido fundamentais para pressionar e denunciar o atual governo no Brasil, junto a instituições como o Supremo Tribunal Federal, o Ministério Público Federal e o Conselho Nacional de Justiça, assim como, internacionalmente, as denúncias no Tribunal Penal Internacional contra Bolsonaro de crime contra a humanidade.

“Falando dos últimos dois anos e de um governo muito pouco confiável, que mina toda a capacidade de monitoramento, fiscalização e a divulgação de dados, os cientistas e a sociedade civil se organizaram para suprir essa lacuna.”
(Doador nacional)
“Ministros do Supremo querem muito ouvir a ciência, principalmente os mais interessados na agenda, como Barroso. Há receptividade a estudos científicos. Mas as decisões estão demorando para vir.”
(Jurista)

Crédito: TV Justiça

Um pequeno número de cientistas falou também sobre o temor e a existência de apagamento de dados e a importância de projetos para preservá-los.

"Há um desmonte geral. Muitos documentos, registros começaram a sumir.”

“Todo mundo lida com essas categorias, povos indígenas, comunidades tradicionais, mas sobra uma imensa legião. Mas quem é que depende mesmo do desmatamento? Quantos são? Estão onde? Você precisa ter políticas específicas para essas pessoas, fazer a disputa com o imaginário delas, hoje todo em cima da destruição. Porque, senão, você perde, né?”
(ONG nacional)
“Acho que tem um lugar que a gente evitou discutir há muito tempo, que é o lugar do carbono, e que é algo que precisa ser discutido com cuidado, o que significa falar de floresta, população, índices de carbono. A gente tem que fazer essas perguntas, sobretudo, analisar não só como funciona e o custo de funcionamento, mas também o que disso fica para as populações locais. Aquele projeto feito com os Suruí, que ainda gera problemas e discussões, levou dez anos ao menos para organizar aquilo, mas os aprendizados desses processos não são discutidos."
(ONG nacional)
“Temos que pensar e discutir, por exemplo, as implicações sociais do desmatamento zero. Os impactos sobre aquelas pessoas que não têm nem alternativa, que estão sempre fora das medidas econômicas e que nem sabemos quem são ali na Amazônia, muitas delas eleitores de Bolsonaro. São aquelas pessoas que agora são apropriadas pela direita como eram os camponeses no pré-guerra na Europa. A gente precisa reconhecer que o processo é complexo, que há um debate colocado com guerras de narrativas e que precisamos nos munir de mais informações e propostas e debatê-las mais e não evitá-las."
(ONG nacional)
“Acho que a grande dificuldade na narrativa durante muito tempo foi enxergar como associar o direito econômico ao direito social."
(Doadora nacional)
Legenda: Greenpeace entrega projeto por desmatamento zero na Câmara dos Deputados
Crédito: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

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