Principais Organizações

Capítulo 4

Principais organizações

pra você que tá sem tempo...

Antes de nomear instituições, diversos entrevistados dos segmentos engajados/interessados destacaram a organização e o fortalecimento do movimento indígena como um marco da última década. 

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) foi a organização guarda-chuva mais citada por públicos engajados/interessados, não somente no Brasil, mas também internacionalmente. Entre os motivos estão: “a agenda permanente de incidência política de suas lideranças”, “o fortalecimento das lideranças femininas” e “um novo conjunto de alianças com figuras públicas e organizações”.

O crescente reconhecimento do papel dos povos indígenas para a agenda climática global, como o do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) foi apontado como determinante para o fortalecimento do movimento indígena. 

O Instituto Socioambiental (ISA) foi a segunda organização mais citada por entrevistados engajados/interessados no Brasil, sendo descrita como a principal referência e fonte de informação de formadores de opinião de diversos segmentos, “aquela que produz a narrativa consumida pela população urbana sobre a população indígena”.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) foi a segunda organização indigenista mais citada no Brasil e a primeira por entrevistados fora do país, lembrada principalmente por seu trabalho em defesa dos direitos indígenas com menos visibilidade, como os Guarani-Kaiowá, e pela produção do relatório anual da violência contra os povos indígenas. 

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) foi a segunda organização indígena mais citada, em particular por seu “trabalho pioneiro na Amazônia”, pela “articulação em rede com organizações da Amazônia” e "pelo protagonismo no combate à Covid-19”. 

A Mídia Ninja foi a única iniciativa de comunicação citada entre as principais organizações da última década, pelo “apoio à estruturação da comunicação da Apib” e pela “cobertura permanente de temas ligados aos direitos dos povos indígenas”.

O Greenpeace foi a organização internacional mais mencionada por segmentos engajados/interessados dentro e fora do Brasil, seguido pelo WWF. Os entrevistados estrangeiros também citaram, além do Greenpeace e do WWF, a Survival International, a Global Witness e a Amazon Watch.

A Coalizão Brasil Clima, Floresta e Agricultura foi a principal organização citada por representantes do agronegócio, seguida pelo WWF e pela The Nature Conservancy (TNC). 

A Apib, o ISA, a Mídia Ninja e o Greenpeace também estão entre as organizações com atuação mais preponderante nas redes sociais, segundo levantamento da DAPP/FGV.

A capacidade e a qualidade da produção científica no país foi elogiada, apesar do desmonte de políticas públicas e dos ataques à ciência e aos cientistas nos últimos anos. Diferentes segmentos não só fizeram menção, mas exibiram orgulho e preocupação com o trabalho de monitoramento do desmatamento da Amazônia feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que “hoje é capaz de produzir um retrato quase em tempo real do que está acontecendo”. 

O Ministério Público foi lembrado como um dos principais aliados na defesa dos direitos conquistados pelos povos indígenas com a Constituição de 1988. Alguns juristas destacaram o atraso do setor e a colonialidade na fala do Judiciário. Não citada por outros segmentos, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) foi lembrada pelos juristas e membros do MPF.

Formalmente acusada pela retirada de proteção de terras indígenas, a Fundação Nacional do Índio (Funai) foi mencionada como uma instituição importante e o processo de elaboração da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) foi recorrentemente lembrado por ONGs ambientalistas e lideranças indígenas.

Diversos entrevistados tiveram mais facilidade em citar pessoas a organizações indígenas, especialmente alguns jornalistas da grande imprensa.

Entre os segmentos não engajados, o mais comum foi atribuir a representatividade dos povos indígenas a agentes institucionais não indígenas, especialmente Funai, ONGs e grupos religiosos. 

A Funai foi questionada por jornalistas regionais, empresários e políticos em seu papel de intermediação de desejos dos povos indígenas. As ONGs, especialmente as internacionais, foram questionadas por entrevistados com posições mais conservadoras por supostamente induzirem os indígenas a agirem segundo os interesses das próprias ONGs. O Greenpeace foi a única ONG citada nominalmente pela população geral.

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A organização e o fortalecimento do movimento indígena foi uma das grandes conquistas da última década, segundo os indígenas e os públicos engajados/interessados.

"O movimento indígena ganhou protagonismo, lideranças e começou a assumir a formulação, a proposição das narrativas.”
(Cientista)
“Houve um enorme movimento para dentro, que é um movimento de reunir as várias lideranças e os povos indígenas dentro da mesma sintonia, que acho ter sido o maior sucesso do movimento. Porque isso é algo extremamente difícil. São 300 e poucos povos diferentes, com organizações políticas muito distintas entre si. Os povos na fronteira com as Guianas têm um tipo de organização, os do Xingu outro, os do Brasil Central outro, os do Noroeste Amazônico outro, os do Nordeste outro, os do Sul outro. Mas, apesar dessa imensa pluralidade, das suas diferenças, eles conseguiram. Eles se organizaram na Constituinte e estão muitíssimo organizados agora, enfrentando as ações contínuas do governo para dividi-los.”
(Antropóloga)
“Gosto de uma frase do Dom Pedro Casaldáliga, que ele disse alguns anos antes de morrer. ‘Os povos nunca estiveram tão ameaçados, mas também nunca estiveram tão organizados.’ A capacidade de fazer frente a tudo isso que está acontecendo é impressionante. Não é suficiente, pois a relação de forças é desproporcional, mas sem isso não dá para mudar nada.”
(Jornalista)
“Cada vez mais há protagonismo indígena, no sentido de depender menos de ONGs e de indigenistas, e mais ocupando o espaço da fala, tanto nacionalmente como em fóruns internacionais. Acho que é uma tendência muito forte, assim como os jovens ocupando posições de liderança nas organizações de base.”
(Doador internacional)
“Não é só uma estratégia de visibilidade, é algo mais concreto. As pessoas têm posicionamentos políticos, demandas específicas. Há participação na proposição da construção de políticas públicas, amadurecimento em relação às demandas por respeito aos nossos direitos.”
(Cineasta indígena)
Legenda: Acampamento Terra Livre 2017
Crédito: Apib Comunicação

Movimento indígena na linha de frente

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) foi a “organização” mais citada pelo público engajados e interessados entrevistado no Brasil e internacionalmente. 

Criada em 2005 como uma instância de referência nacional do movimento indígena no Brasil, está hoje sob a coordenação executiva de Sônia Guajajara. Fazem parte da Apib a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), o Conselho do Povo Terena, a Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (Arpin Sudeste), a Articulação dos Povos Indígenas do Sul (Arpinsul), a Grande Assembleia do povo Guarani (Aty Guasu), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), que tem como missão a promoção e defesa dos direitos indígenas a partir da articulação e união entre os povos e organizações indígenas das distintas regiões do país. 

Diversos foram os motivos que os entrevistados apontaram para destacar a Apib. Entre os mais citados: “a organização e o crescimento do Acampamento Terra Livre (ATL)”; “a agenda permanente de incidência política de suas lideranças”, em particular de Sônia Guajajara; “o fortalecimento das mulheres no movimento indígena”; e “um novo conjunto de alianças com figuras públicas e organizações”, com destaque para a Mídia Ninja. Também foram ocasionalmente mencionadas “a visibilidade internacional dada ao movimento indígena” e “a expansão criativa da sua atuação”, com o estabelecimento do Núcleo de Advogados Indígenas e a estruturação e o fortalecimento do trabalho de comunicação.

A Apib está entre as organizações com atuação mais ​​preponderante no debate sobre povos indígenas nas redes sociais, especialmente no Facebook e no Instagram, de acordo com o levantamento coordenado pela Diretoria de Análises de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (DAPP/FGV).

“A Apib, nesses últimos anos, tem mostrado ao que veio e hoje reverbera muito. As ações que faz têm um peso, um peso muito grande. Tanto é que a Apib entrou em contato direto com a equipe do presidente Biden para discutir a questão da pandemia, dos atentados todos aos direitos dos povos indígenas, já que aqui não tem caminho nenhum. Uma iniciativa muito positiva, sem tutela. São processos de construção coletiva, já que hoje lá tem gente da Apoinme, da Arpinsul, e a articulação faz com que esse todo dialogue.”
(Cineasta indígena)
“​​Mais recentemente, a Apib tem sido um protagonista importante em todas as conferências de partes que ocorreram nos últimos anos, com participação ativa, incidência e produção de materiais."
(Antropólogo)
Legenda: Lideranças indígenas na Marcha por Justiça Climática na COP26
Crédito: Oliver Kornblihtt / Mídia Ninja
Legenda: Lideranças indígenas na Marcha por Justiça Climática na COP26
Crédito: Oliver Kornblihtt / Mídia Ninja
Legenda: Lideranças indígenas na Marcha por Justiça Climática na COP26
Crédito: Oliver Kornblihtt / Mídia Ninja
Legenda: Lideranças indígenas na Marcha por Justiça Climática na COP26
Crédito: Oliver Kornblihtt / Mídia Ninja
Legenda: Lideranças indígenas na Marcha por Justiça Climática na COP26
Crédito: Oliver Kornblihtt / Mídia Ninja
Legenda: Lideranças indígenas na Marcha por Justiça Climática na COP26
Crédito: Oliver Kornblihtt / Mídia Ninja
“Acho que tanto a Apib, no nível nacional, a Coiab, na Amazônia e, em todos os níveis, o movimento indígena está muito articulado, utilizando tecnologias e as redes sociais de forma muito inteligente, contando cada vez mais com um número maior de profissionais indígenas e começando a se conectar com outros movimentos sociais, com os jovens, com o movimento climático ao redor do mundo.”
(ONG internacional)
“Sem querer diminuir a importância de outras organizações indígenas, o fato de eu não saber dizer outros nomes além do pessoal da Apib mostra que o trabalho deles tem sido bem sucedido.”
(Jornalista)

EM REDE POR TODA A AMAZÔNIA

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) foi a segunda organização indígena mais lembrada, ainda que por um número menor de entrevistados e mais lembrada por ONGs nacionais e por jornalistas regionais.

Legenda: Nara Baré, primeira mulher a liderar a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)
Crédito: Coiab

O “trabalho pioneiro na Amazônia”; a “articulação e atuação em rede com organizações da Amazônia e da Bacia Amazônica”; o “bem sucedido processo de reestruturação”; e o “protagonismo no combate à Covid-19” foram os pontos mais citados. 

Muitas outras organizações indígenas foram lembradas pontualmente por indígenas, integrantes da sociedade civil e da academia, como a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), o Conselho Indígena de Roraima (CIR) e até mesmo algumas mais recentes, como o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI) e a Hutukara Associação Yanomami.

Alguns dos entrevistados fizeram questão de descrever a organização do movimento indígena a partir dos direitos assegurados com a Constituição de 1988, outros a partir da atuação da União das Nações Indígenas (UNI) na Assembleia Constituinte. Um número menor citou as Assembleias Indígenas organizadas pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) na década de 1970 e o surgimento de organizações como o Núcleo de Direitos Indígenas (NDI) e a Comissão Pró-Índio durante a ditadura militar. 

De acordo com o Sistema de Áreas Protegidas do ISA (SisArp), existem 1.029 organizações indígenas no Brasil em janeiro de 2020. Na tese “Protagonismo Indígena no Brasil: Movimento, Cidadania e Direitos (1970 — 2009)”, defendida por Poliene Soares dos Santos Bicalho na Universidade de Brasília em 2010, haviam sido identificadas 486 organizações indígenas, o que indica enorme crescimento de organizações indígenas no Brasil na última década.

Em suas considerações finais, Poliene descreveu como as principais características da atualidade: “a preparação/formação de lideranças indígenas para que as mesmas cada vez mais possam falar em nome de seus povos, de igual para igual, com instâncias antes inalcançáveis do Estado; a articulação dos povos regionalmente, para que os mesmos discutam as suas carências e demandas – especialmente as dos direitos territoriais, saúde e educação – e os direcionando ao centro, representados pela Apib em Brasília; e o trabalho de parceria, não mais de porta-vozes, com as entidades de apoio e com o próprio Estado”.

Fundamentais para as soluções climáticas, com novas alianças pragmáticas

“Acho que a sociedade civil fez um trabalho excepcional na última década em inserir as pautas indígenas na ONU, em órgãos como a UNFCCC – Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima e a FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura. Acho extremamente positivo que a importância dos povos indígenas se reflita hoje nessas estruturas globais de governança que, mesmo em crise, seguem sendo muito relevantes.”
(ONG internacional)

O crescente reconhecimento do papel e da importância dos povos indígenas para a agenda climática por parte da sociedade civil, de cientistas e de órgãos multilaterais foi apontado como um fator determinante para o fortalecimento do movimento indígena na última década, não apenas no Brasil.

Além dos estudos, mais comumente citados, diversos doadores e ONGs internacionais descreveram essa mudança como resultado do esforço coletivo de advocacy e comunicação orquestrado por muitas pessoas, muitas organizações, muitos projetos distintos.

Uma assessora de comunicação relembrou uma ação organizada junto com o lançamento do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que pela primeira vez reconhecia os direitos dos povos indígenas como uma solução crítica para a crise climática, em 2019: “nós lançamos um posicionamento conjunto de 25 organizações indígenas ao redor do mundo junto com o lançamento do relatório. Os jornalistas iriam cobrir os achados do IPCC de qualquer maneira, mas nunca teriam considerado o ângulo indígena se esses materiais não estivessem prontos com antecedência. Aquele esforço funcionou bem porque tínhamos orçamento, todos os vídeos, materiais e aspas preparados com antecedência. Tudo foi traduzido para as principais línguas de trabalho e disponibilizado em um site, para todos os participantes do projeto”.”

Legenda: Posicionamento conjunto de organizações indígenas sobre o relatório do IPCC
Crédito: Rights and Resources Initiative (RRI)
“É uma coisa difícil de negar hoje em dia. E mais e mais pessoas estão dizendo que os povos indígenas são os melhores guardiões das florestas, inclusive organizações focadas estritamente no meio ambiente e não nas pessoas. Se elas fazem algo sobre isso é outra questão, se elas apoiam os povos indígenas em vez de violar seus direitos é outra questão. Mas adotaram essas mensagens. Não podemos esquecer que isso vem de mãos dadas com o fortalecimento da agenda climática e com novas organizações e movimentos que vão surgindo, como o Extinction Rebellion.”
(ONG internacional)
“Começaram a ficar muito evidentes as limitações da agenda de conservação que excluíam as comunidades tradicionais, com esse viés mais preservacionista. Diversos estudos científicos contribuíram para isso na última década e isso passou a ser incorporado cada vez mais nas organizações.”
(ONG internacional)

Um dos exemplos mais recentes disso foi a organização da primeira Cúpula Mundial dos Povos Indígenas e da Natureza durante o último Congresso Mundial da Natureza, da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), quando também foi aprovada em assembleia uma moção, apresentada por organizações indígenas, que pede a conservação de 80% da Bacia Amazônica até 2025. Em um artigo no site da UICN, a aprovação da resolução foi saudada como um “grande avanço tanto em termos de conservação e no sentido de reconhecer os povos indígenas como essenciais ao processo”.

“Acho que essa pauta só foi crescendo e adensando a discussão em torno do antropoceno, que começou como uma discussão acadêmica, mas que vem cada vez mais ganhando também o mundo dos movimentos sociais, dos coletivos ativistas e da mídia. Esse debate em torno do antropoceno traz à cena a problematização da visão da natureza como algo inerte, fonte de recursos para serem usados e transformados, que fundamentou o crescimento do capitalismo no mundo. Ele foi crescendo e, com isso, o protagonismo dos povos tradicionais foi ganhando mais e mais a cena, como pessoas que já sabem, há muito tempo, de coisas que a gente está tomando consciência só agora.”
(Antropóloga)
Reprodução Twitter

Sem os contornos e abrangências atuais, alguns entrevistados fizeram questão de lembrar que as alianças pragmáticas estratégicas entre povos indígenas e uma parcela do movimento ambientalista acontecem há décadas, a partir de concepções muito diferentes do que é natureza e ecologia. Essas alianças permitiram que essas comunidades acessassem apoios de agências financiadoras e doadores, recursos do chamado mundo dos projetos da cooperação internacional e da filantropia, modificando, muitas vezes, dinâmicas nacionais e locais.

“​​Quando a cooperação internacional entra e começa a implementação do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG7) e seus vários outros subprogramas, tem um específico para apoio de sistemas de produção tradicionais sustentáveis. Esses programas de fomento governamentais, com recursos de cooperação internacional, passam a visibilizar essas economias agroextrativistas de base local, que acabam fortalecendo a visibilidade desses grupos.”
(Antropólogo)
“​​Eu lembro muito da elaboração de um projeto com apoio internacional, liderado pelo Ministério da Fazenda. Eu ainda estava no Ministério da Ciência e Tecnologia. A gente tinha que olhar o componente indígena, fazer as consultas públicas, todo esse processo. Durante um tempo, essas exigências internacionais foram sendo colocadas como importantes na discussão do clima no Brasil.”
(Cientista)
“Acho que os cientistas e as ONGs, sem exagero, têm sido fundamentais. E agora, mais do que nunca, porque estão segurando uma onda, né? Eu acho que eles são fundamentais para manter a situação minimamente ‘sobrevivível’.”
(Jurista)
Legenda: Ato no Congresso para denunciar medidas antiambientalistas da bancada ruralista
Crédito: Greenpeace

Socioambiental se escreve junto

O ISA foi a segunda organização mais citada por públicos engajados/interessados no Brasil, sendo apresentada como uma das principais referências, fonte de informação sobre povos tradicionais para muitos dos formadores de opinião, como cientistas, cineastas, artistas, jornalistas e juristas. 

A organização foi destacada por seu “pioneirismo em defesa dos direitos indígenas”,  por sua “elaboração de políticas públicas e estratégias criativas”, por “apostar em várias frentes, desde a produção sustentável aos guardiões”, por sua “valoração da produção indígena e do reflorestamento”, por "ampliar a narrativa de Davi Kopenawa e fortalecer a defesa dos Yanomami”. 

O ISA foi apresentado como precursor na criação de políticas socioambientais e inovador no trabalho de comunicação, alguns usando como exemplo o podcast “Copiô, Parente”, que ‘toda semana leva até você os destaques de Brasília na vida dos povos indígenas e povos tradicionais da floresta’, outros a produção de conteúdos, especiais multimídias e publicações, como o Atlas Amazônia Sob Pressão 2020. Um número menor de pessoas citou o apoio que o instituto vem dando à estruturação de redes de comunicadores indígenas, como a Rede Wayuri no Rio Negro, e a contratação de comunicadores indígenas. 

Além disso, “Menos Preconceito Mais Índio”,  de 2017, foi uma das campanhas mais citadas na questão sobre mídias digitais e campanhas-chave – mais em Campanhas de comunicação.

“Acho que o ISA cria essa narrativa que é consumida pela população urbana sobre a população indígena, tem isso de conectar o consumidor às comunidades.”
(Jornalista)
Crédito: Instituto Socioambiental (ISA)
“O ISA foi a primeira ONG que começou a se organizar de forma sistemática para o mapeamento das terras indígenas e que passou a articular políticas públicas específicas para esses povos.”
(Cientista)
“Para mim, o ISA é a organização que representou a luta dos povos indígenas e a primeira que eu procuro, tenho como referência, quando quero me atualizar sobre esses assuntos.”
(Cientista político)

Por direitos e contra a violência contra os povos indígenas

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que há 45 anos atua em defesa dos direitos dos povos indígenas no Brasil, foi a segunda organização indigenista mais citada pelo público engajado/interessado no Brasil e a organização indigenista mais citada por entrevistados de fora do país. 

O Cimi foi lembrado por seu trabalho durante a ditadura militar e na Assembleia Constituinte, pelas grandes assembleias indígenas, por sua atuação distribuída ao redor de todo o país e pela produção do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil.

Crédito: Cimi

“O Cimi faz um trabalho maravilhoso de fortalecer essas populações na questão dos seus direitos. De um lado, tem os cientistas fortalecendo a questão da conservação, do outro, uma entidade como o Cimi ajuda no aspecto dos direitos humanos.”
(Cientista)
“O Cimi e a CPT conseguiram criar uma complementaridade à forma como eles estão organizando as informações sobre conflitos por terra no Brasil. Eu sempre uso os dados que eles produzem.”
(Jornalista)
“O Cimi é um parceiro muito importante dos Guarani, dos indígenas que vivem fora de aldeias, daqueles mais sob conflito e em muitos casos povos com pouca atenção.”
(Antropóloga)
Crédito: Renato Araújo/ABR

Diversas organizações indigenistas como a Operação Amazônia Nativa (OPAN), a Comissão Pró-Índio (CPI), o Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e a Associação de Defesa Etnoambiental – Kanindé foram ocasionalmente mencionadas por entrevistados.  

Apoio e visibilidade internacional, campanhas globais e artivismo

O Greenpeace foi a organização internacional mais citada por entrevistados de público engajado e também por doadores e ONGs internacionais, e a única citada nominalmente por entrevistados da população geral.

No que se refere ao acúmulo de engajamento ao longo dos anos analisados, os perfis do Greenpeace e do Instituto Socioambiental foram os que mais se destacaram entre as organizações ambientalistas. 

Além do Greenpeace, o WWF foi a segunda organização internacional mais citada, devido à atuação e às parcerias de longa data com organizações locais na Amazônia, especialmente no Acre e em Rondônia, e por ampliar o conhecimento sobre as ameaças ao Cerrado e aos povos tradicionais deste bioma, não somente no Brasil, mas também internacionalmente.  

“O Greenpeace tem tido um papel importante, de conseguir falar com membros da sociedade civil, com gente de empresas, investidores, com o poder público, players importantes no exterior. Eles foram fundamentais naquela turnê de indígenas pela Europa.”
(Ativista)
“O Greenpeace teve um papel importante na campanha em torno de Tapajós, com os Munduruku, contra as usinas hidrelétricas.”
(Doador nacional)
“O apoio que o Greenpeace deu ao projeto Demarcação Já! foi fenomenal. Eu acabei me aproximando dos indígenas por causa deles.”
(Artista)

O Greenpeace foi lembrado principalmente por sua campanha contra a construção de usinas hidrelétricas no Tapajós, por seu apoio internacional aos povos indígenas, incluindo a produção de conteúdos e imagens, as pesquisas e as denúncias sobre o desmatamento e a violação aos direitos humanos associados a cadeias de commodities agrícolas, como a soja e a carne.

Legenda: Ativistas do Greenpeace e indígenas Munduruku em protesto próximo ao município de Itaituba, no Pará, contra a construção de usinas hidrelétricas no Tapajós
Crédito: Greenpeace

Para doadores e ONGs internacionais, outras organizações-chave foram a Survival International, pelo pioneirismo e relações históricas estabelecidas com lideranças e povos indígenas no Brasil, a Global Witness, que desde 2012 vem registrando anualmente os ataques aos defensores da terra e do meio ambiente ao redor do mundo, e a Amazon Watch, por suas denúncias e incidência política nos Estados Unidos.

A Coalizão Brasil Clima Florestas e Agricultura é a principal referência dos representantes do agronegócio para a agenda climático-socioambiental no Brasil, seguida pelo WWF e pela The Nature Conservancy (TNC)

Mídia Ninja, um novo grande ator político

A Mídia Ninja foi a iniciativa de comunicação mais citada entre as organizações-chave por públicos engajados/interessados – mais em Redes sociais.

A rede de comunicação livre, que ganhou notoriedade em meio às manifestações de 2013, promove novas formas de produção e distribuição de informação a partir de uma lógica colaborativa de trabalho e de um conjunto de valores e direitos sociais com os quais tem compromisso. 

Os Ninjas foram descritos por diversos atores da sociedade civil e pelo próprio movimento indígena como tendo sido fundamentais “para a formulação e fortalecimento das narrativas dos povos indígenas”, “na estruturação da comunicação da Apib”, no “apoio à cobertura do Acampamento Terra Livre” e em “conectar o movimento indígena, com artistas”. 

Crédito: Mídia Ninja
“Os Ninjas têm dado um apoio gigantesco para elevar a comunicação dos povos indígenas.”
(ONG nacional)
“A Mídia Ninja é um tesouro valioso. Antes eu achava que eles fossem um coletivo de comunicação, mas depois percebi que eles são um grande ator político. São influenciadores 24 horas por dia, e pautam e divulgam as informações em tempo real, com uma visão crítica de conjuntura.”
(Liderança indígena)

Crédito: Mídia Ninja

“Se falarmos do ciclo da ‘era digital’, o ponto de inflexão para a Apib é essa conexão com a Mídia Ninja. A comunicação em rede promovida por eles se enquadra perfeitamente na lógica do movimento indígena. Houve autoidentificação. O encontro com a Mídia Ninja fez com que a Apib pensasse a comunicação, organizasse uma rede mais ampla e atendesse a uma vontade de muitas lideranças para atuar mais nesse campo. A pandemia fez com que esse processo se intensificasse. A construção da Mídia Índia é fruto da relação entre a Apib e a Mídia Ninja.”
(Assessor de Comunicação)
“A Mídia Ninja, acho muito interessante. É uma outra forma de expressão, você não pode analisar com os olhos da imprensa tradicional. A gente não sabe o quanto daquilo é bem apurado, o quanto daquilo é sério, mas hoje é uma fonte de informação para muita gente.”
(Jornalista)

A Mídia Ninja, que atualmente conta com mais de 2 milhões de apoiadores e cerca de 500 pessoas diretamente envolvidas com o suporte de casas coletivas pelo Brasil, tem 10 milhões de seguidores em seus canais. Foi também um dos principais destaques da análise sobre as redes sociais para essa pesquisa coordenada pela Diretoria de Análises de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (DAPP/FGV).

Gabriela Sanches de Lima, na tese “Violência simbólica na televisão: cidadania e representação dos povos indígenas na demarcação de terras", analisou o conteúdo jornalístico televisivo e da Mídia Ninja sobre a demarcação de terras indígenas. Nela, a jornalista aponta que “se na emissora privada ocorre uma violência pela extrema simplificação do fato, sem contextualização e se utilizando de signos identitários, quase que folclóricos, dos indígenas para construir um produto audiovisual, o Mídia Ninja pressupõe que os internautas já saibam do assunto e, por isso, também transmitem o material sem maiores explicações que o tema complexo demanda. Os materiais analisados não têm um recorte prévio e uma edição favorável aos indígenas, pois eles simplesmente ligam a câmera e mostram o que está acontecendo. Não há um direcionamento para os espectadores, deixando a interpretação do fato mais à mercê ainda das bagagens singulares de cada indivíduo (...). Ou seja, “jogar” o assunto nas redes sociais, pressupondo que os internautas já sabem – ainda mais por meio de um vídeo no modo “ao vivo” – é apostar em uma audiência que ainda não tem a criticidade para lidar com um assunto complexo, haja vista o estrago que as fake news estão fazendo com o campo social”.  

Legenda: Documentário Terra Livre | A Luta Indígena no Brasil
Crédito: Mídia Ninja

“É só olhar as imagens (de satélite)”

Mais do que fazer referência a estudos específicos, as imagens (muitas vezes imagens de satélite) foram mencionadas por um grande número de entrevistados de públicos engajados/interessados no Brasil como a evidência mais óbvia e mais conhecida sobre a conservação ambiental de territórios indígenas.

Há também entre os públicos engajados um enorme orgulho e preocupação com o trabalho de monitoramento do desmatamento da Amazônia feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e com a capacidade e qualidade da produção científica no país – mais em Imagens icônicas e em Dados, estudos e sistemas de conhecimento.

'Acho que todos os dados em relação à Amazônia do Inpe têm sido uma prestação de serviço pública importantíssima.'
(Jornalista)
'O lado bom é que a ciência começa a nos dar um retrato quase em tempo real do que está acontecendo. O Prodes, o Deter e agora o MapBiomas também. Porque antes a gente demorava muito tempo para reagir, com narrativas muito pulverizadas.'
(ONG nacional)
'O sensoriamento remoto, fundamental como termômetro de desmatamento, também tem sido muito relevante para as demarcações de territórios, de áreas protegidas. Não é por acaso que o Bolsonaro ataca o trabalho do Inpe.'
(Historiador)
“A ciência talvez seja o campo onde a consciência mais avançou. Não em termos ideológicos, mas na quantidade de informações que se produz hoje sobre a Amazônia e sobre os povos tradicionais; é absolutamente crucial.”
(Historiador)

O World Resources Institute (WRI) foi o instituto de pesquisa mais citado por doadores e ONGs internacionais e pontualmente lembrado por poucos jornalistas e ONGs brasileiras.

“Nos últimos dez anos, saíram os estudos do WRI sobre o quanto de carbono estava estocado em terra indígena, que foram muito importantes. A partir daí, a comunidade climática começou a se interessar por índio. Finalmente esses grupos se encontraram.”
(ONG internacional)
“As políticas e os orçamentos públicos têm que ser justificados com análise econômica. Para convencer um tomador de decisão aqui na Europa, você tem que ter alguns dados e evidências. O WRI produziu reportagens que mudaram muito a narrativa, a partir da evidência de que onde há povos indígenas com longa relação com os recursos naturais você tem melhor cobertura florestal, menos incêndios florestais, mais estoques de carbono. E fizeram análises econômicas também sobre o custo-benefício da demarcação de territórios indígenas, por exemplo.”
(Doador internacional)
Crédito: WRI

Algumas das principais universidades do país, como a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) foram lembradas não só por conta do aumento do número de estudantes indígenas e políticas e orçamentos específicos, em alguns casos criados para acolhê-los, mas também pelo estabelecimento de centros, cursos, iniciativas específicas

MP em defesa dos direitos constitucionais e Funai anti-indígena

Se a ciência foi apontada como a principal responsável pela importância dada aos povos indígenas na cena climática, o Ministério Público (MP) foi descrito como uma das instituições mais importantes e um dos principais aliados na defesa dos direitos conquistados pelos povos indígenas com a Constituição de 1988. 

“O MP segurou muito e fez muitas coisas boas, em várias frentes.”
(ONG Nacional)
“​Acho que o Ministério Público e a Defensoria Pública têm sido bem importantes nas lutas, especialmente nas lutas contra as hidrelétricas na Amazônia. Se a gente pensar nessa década e população tradicional e indígena, a gente está falando da época das grandes hidrelétricas na Amazônia. A atuação deles foi um marco.”
(Jornalista)
“O Ministério Público Federal talvez seja a última trincheira de muitos desses indígenas na área penal, judicial. A Defensoria Pública da União, ela defendia interesses difusos, réus acusados injustamente, pessoas pobres que não tinham condições. De dois anos pra cá, ela começou a migrar para o tema indígena. Tem sido muito importante isso. Às vezes, entra até antes do MPF. Esse é um fenômeno novo, fenômeno jurídico novo, né?”
(Jornalista)
“​​Tem uma parte do Ministério Público, não é todo o Ministério Público, que eu acho que é aliada importante, que tem um trabalho muito bacana.”
(Cientista)
“Ainda temos muito o que avançar, mas o Judiciário tem tomado decisões favoráveis aos povos indígenas em todas as partes do país.”
(Jurista)
Crédito: Letícia Leite
“Em todo o país há decisões positivas, mas elas se colocam de maneira esporádica e casuística em meio à multiplicidade de casos no Judiciário, sem alterar sua lógica dominante.”
(Jurista)

Além de manifestarem preocupação com mudanças no Ministério Público (MP) e no Poder Judiciário no atual governo e desapontamento com o julgamento do marco temporal, alguns entrevistados destacaram que ainda falta muita informação e sensibilização a esse segmento.

“Há um conjunto de decisões do Judiciário que respondeu a um esforço do Ministério Público Federal (MPF) relacionado ao direito territorial indígena, que já está jurisprudencialmente assentado. Agora, essas discussões mais modernas sobre a importância das terras protegidas para a conservação ambiental, por exemplo, não estão na jurisprudência, não estão na cabeça dos juízes. Acho que o Judiciário está muito atrasado nesse debate, o próprio MPF está atrasado nesse debate.”
(Assessora de Comunicação)
“Estamos atrasados. Mas não é o Judiciário, é a sociedade. Estamos bem atrás da Colômbia, do Equador, por exemplo. A maioria dos juízes não aprendeu nem direito ambiental, menos ainda conceitos novos, como o de direitos da natureza.”
(Jurista)
“Há tanta colonialidade estabelecida na fala do poder Judiciário. Ela precisa ser questionada.”
(Judiciário)
Crédito: Reprodução Instagram

Uma organização não citada por outros segmentos, mas destacada por juristas e membros do MPF, foi a Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Desde 2007, a ABA tem um acordo de cooperação técnica com o MPF para a realização de estudos, pesquisas e elaboração de laudos antropológicos para apoiar trabalhos, judiciais e extrajudiciais, em questões que envolvam direitos e interesses de populações indígenas, remanescentes de quilombos e grupos étnicos e minorias.  

Hoje um órgão formalmente acusado pela retirada de proteção de terras indígenas, a Fundação Nacional do Índio (Funai), cuja missão é proteger e promover os direitos dos povos indígenas do Brasil, foi mencionada como uma instituição importante; o processo de elaboração da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) foi recorrentemente lembrado por ambientalistas e lideranças indígenas.  

“Aquilo que aconteceu na época da PNGATI, essa ligação entre a questão indígena e ambiental, processo liderado pela Funai, gerou frutos muito legais.”
(Antropólogo)
“No Brasil, essa discussão no caso dos indígenas, de ter os Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs), foi muito marcante, como foi marcante o fato de que, embora seja uma lei, que é a PNGATI, a própria Funai não cumpra essa lei, que contou com entidades financiadoras.”
(ONG nacional)
Crédito: Funai

Ainda que vários entrevistados tenham descrito a última década como um período de quebra das mediações e protagonismo do movimento indígena, esse é um fenômeno que pareceu não ter sido notado por alguns cientistas, ambientalistas e por formadores de opinião de públicos não engajados e população geral.

Entre os públicos engajados/interessados, diversos entrevistados tiveram mais facilidade em citar pessoas a organizações, especialmente entre jornalistas da grande imprensa.

“Eu não acompanho muito as organizações, acompanho lideranças indígenas, como a Sônia Guajajara, acompanho antropólogos que estudam comunidades indígenas.”
(Cientista social)

No lugar do protagonismo, Funai, ONGs e lideranças religiosas

Entre os segmentos não engajados, o mais comum foi atribuir a representatividade desses povos a agentes institucionais não indígenas – Funai, ONGs, grupos religiosos e antropólogos – especialmente nos segmentos de formadores de opinião mais distantes do tema. Tende a haver críticas ao papel destas primeiras três instituições. As ONGs, especialmente as internacionais, foram questionadas por entrevistados com posições mais conservadoras, por supostamente induzirem os indígenas a agirem segundo seus próprios interesses.

Por outro lado, é comum que a Funai, quando mencionada, seja questionada por jornalistas regionais, empresários e políticos em seu papel de intermediação de desejos de povos indígenas. Também foi lembrado o esvaziamento da instituição no atual governo.

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