Mídias e influenciadores indígenas

Capítulo 11

Mídias e influenciadores indígenas

pra você que tá sem tempo...

O maior acesso à internet e a aparelhos smartphones e a apropriação das redes sociais foram o principal destaque nas respostas dos indígenas e dos públicos engajados/interessados como uma das “mudanças mais significativas” da última década. 

Indígenas "demarcando telas” foi descrito como um “fenômeno muito recente, mas de proporção, certamente, histórica”. As redes sociais possibilitou uma comunicação “direta”, “imediata” e “sem mediações” com a sociedade, “diminuindo o fosso de desconhecimento”, “dando mais visibilidade às lutas, às artes e aos saberes indígenas”, “confrontando e combatendo visões preconceituosas e deturpadas” e “denunciando casos de violações de direito, invasões de territórios e racismo”, por exemplo.

A liderança indígena Sônia Guajajara foi apontada como a liderança indígena com maior número de seguidores nas redes sociais. “Ela tem quase 400 mil seguidores só no Instagram.” 

A comunicadora Alice Pataxó, com mais de 107 mil seguidores no Twitter e 135 mil no Instagram, foi um dos nomes mais lembrados pelos entrevistados engajados. @alice_pataxo foi também identificado como o principal perfil do debate sobre povos indígenas no Twitter entre janeiro e maio de 2021, de acordo com o levantamento da DAPP/ FGV. 

Com mais de 150 mil seguidores no Instagram, Tukumã Pataxó, diretor de comunicação da Associação de Jovens Indígenas Pataxó (Ajip) e colaborador do Mídia Índia, foi incluído na edição especial Wired Festival Brasil – Uma Viagem Pela Criatividade Brasileira em 50 nomes. Junto com Célia Xakriabá, doutoranda em Antropologia Social pela UFMG e uma das fundadoras da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), Tukumã apresenta o primeiro podcast indígena da Globoplay, o “Papo de Parente”. 

Os influenciadores indígenas têm sido convidados a falar sobre representatividade e a fazer campanhas publicitárias, como a da Risqué com Alice Pataxó e a da água Ama da Ambev com Tukumã Pataxó. 

Tukumã Pataxó se juntou ao casting da Map Brasil, agência especializada em estabelecer negócios e relações entre marcas, artistas e personalidades do entretenimento. Ele é também parceiro institucional e porta-voz do Digital Favela, plataforma criada para aproximar influenciadores de comunidades carentes de todo o Brasil e anunciantes.

Não citada pelos entrevistados, a jovem Tatuyo Cunhaporanga, do Amazonas, tem mais de 525 mil seguidores no Instagram e 6,5 milhões de seguidores no TikTok, ganhou as redes dividindo seu dia a dia na comunidade. 

Entre as mídias indígenas, a Rádio Yandê e a Mídia Índia foram mencionadas como outra mudança significativa da última década. Anápuàka Muniz Tupinambá, coordenador da Rádio Yandê, primeira rádio indígena web do Brasil, acaba de lançar a campanha “Eu quero que a Rádio Yandê continue online”, para a obtenção de doações financeiras para custear a manutenção do servidor e domínio da rádio em 2022. 

A Mídia Índia, protagonizada por jovens indígenas e que “tem como objetivo a garantia de uma comunicação representativa”, foi a página com mais publicações no debate sobre povos indígenas no Facebook e no Instagram em 2020, segundo o levantamento da DAPP/FGV. 

Há diversos coletivos de comunicação surgindo e sendo fortalecidos no país, como a Rede Wayuri, iniciativa com jovens de diversas etnias do Rio Negro, e o Coletivo Audiovisual Munduruku Daje Kapap Eypi, formado por Aldira Akai, Beka Saw Munduruku e Rilcelia Akai.

Uma minoria entre os entrevistados engajados e interessados compartilhou ponderações sobre o uso das redes sociais pelos indígenas. “Junto com a internet, chega o WhatsApp, o YouTube, não sei o quê, e aí, quando você vai ver, os velhos estão todos esquecidos, sem a atenção dos jovens, sem ter com quem conversar e com essa forma de educação intergeracional muito fragilizada.”

O racismo, mais uma vez, apareceu como questão, seja porque alguns dos influenciadores indígenas produzem conteúdo justamente para enfrentá-lo, seja pelos ataques que sofrem por estarem nas redes. “Eu convido os estudiosos do ódio a verificar o que é dito sobre os indígenas no Brasil. Eles devem ser, de longe, os mais odiados, os mais perseguidos nas redes (...) Eles são bombardeados pelo ódio, pelo preconceito, bombardeados.”

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O maior acesso à internet e a aparelhos smartphones e a apropriação de aplicativos como o WhatsApp e das redes sociais foram frequentemente o principal destaque nas respostas de indígenas e públicos engajados/interessados como uma das “mudanças mais significativas” da última década.

Os indígenas "demarcando as telas” foi descrito como um “fenômeno muito recente, mas de proporção, certamente, histórica”, por representarem um canal “direto”, “imediato” e “sem mediações” de comunicação com a sociedade, que permite “informar e diminuir o fosso de desconhecimento”, “dar mais visibilidade às lutas, às artes e aos saberes indígenas”, assim como “confrontar e combater visões preconceituosas e deturpadas” e denunciar casos de violações de direito, invasões de territórios e racismo, por exemplo.

Para demonstrar quão significativa tem sido essa mudança, alguns dos entrevistados lembraram tempos em que a comunicação dos indígenas com a sociedade envolvente era restrita e mediada por canais de radiofonia da Funai.

“Acho que a grande novidade é essa visão que eles têm de rede, da importância de se falar, de estarem conectados. Antigamente, para falar com uma aldeia, a gente tinha que falar via rádio. Tinha uma central de rádio em Brasília, você ligava para a central, e a central ligava para o posto indígena. A central precisava soltar, lembra? Soltar o rádio, segurar o rádio, soltar o rádio. Tinha o sinal para você falar, aí o indígena falava. E quase nunca era o indígena que falava, porque o rádio estava sob controle de Funai. Eu percebia que a Funai escolhia quem ela queria que falasse no rádio. Era controle da informação.”
(Jornalista)
“Na época da Constituinte, como é que a gente se comunicava? Era uma dificuldade enorme, a gente usava telefone e fax. E, nas aldeias, nas comunidades, os povos ficavam sabendo das coisas muito depois e por meio de nós, pelos servidores do Executivo, pela Funai. Antes disso, tinha também aquela história de falar pelo rádio. Hoje em dia, isso acabou. Eles têm acesso à internet, com muita dificuldade ainda em alguns lugares, mas isso chegou para ficar. A internet abre o mundo para eles, que não precisam mais da gente pra fazer essa comunicação.”
(Antropólogo)

Os indígenas à frente das narrativas sobre si próprios, ampliando a interlocução com não indígenas e aliados, desconstruindo estereótipos, dando mais visibilidade às suas demandas e aos seus direitos, fortalecendo o movimento indígena, construindo novos projetos, expandindo redes de apoio, denunciando violações de direitos, registrando seus rituais, línguas, cotidianos. Esses foram os principais ganhos atribuídos ao uso da internet e das redes sociais.

Além disso, foi descrito que há uma melhor compreensão e reconhecimento por parte das lideranças e do movimento indígena da importância da comunicação nas redes sociais para o fortalecimento político, sobretudo num momento mais desfavorável no âmbito macropolítico e para alcançar a opinião pública de forma mais ampla.

“​​Nos últimos anos, percebo um fortalecimento muito grande da visibilidade da luta indígena, muito capitaneada pelas redes sociais, pela ampliação da presença das próprias organizações indígenas nas redes, no mundo digital como um todo.”
(Antropóloga)
Crédito: Reprodução instagram
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Crédito: Reprodução instagram
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“Agora nós mesmos podemos falar sobre o nosso povo, sobre a nossa cultura, sobre nossa identidade, como protagonistas da nossa história. Por muito tempo, a história foi contada por quem viu e não por quem viveu.”
(Comunicadora indígena)
“Eles são o lado positivo da revolução tecnológica. Eles dominaram facilmente a tecnologia, fizeram uma apropriação saudável dela. A luta indígena tomou os aparatos dos brancos, agora está construindo suas narrativas para lutar pelos territórios e pela sua autonomia. O celular é o novo arco e flecha.”
(Cineasta)
“Nos últimos anos, vejo indígenas mais presentes nas redes sociais, explicando, se posicionando sobre várias coisas, falando sobre como se enxergam, sobre o que vivenciam em suas comunidades. Esse é um avanço muito importante. A gente começou a ter a confiança de que as pessoas querem nos ouvir e que elas também vão respeitar o nosso jeito de falar, de nos apresentar.”
(Influenciadora indígena)
“A Sônia Guajajara talvez seja hoje a liderança indígena com maior número de seguidores nas redes sociais. Ela tem quase 400 mil seguidores só no Instagram. A gente tá falando de uma das maiores lideranças indígenas do mundo em termos de seguidores nas redes sociais, de relevância, de capacidade de influência.”
(Ativista)
“As redes sociais têm se tornado muito importantes, ainda mais no contexto da pandemia. O movimento indígena foi pioneiro na mobilização online durante a Covid-19, ocupando e demarcando as telas, organizando campanhas emergenciais, reunindo dados. Enquanto a sociedade continua a ver o indígena como um ser primitivo, que não deve ter acesso à tecnologia, nós estamos dando um exemplo de como acessar de forma qualificada esses meios de comunicação.”
(Liderança indígena)
“Cada vez mais, os indígenas estão se colocando, sem mediadores, falando sobre seus conhecimentos e seus modos de vida. Vai ficando cada vez mais difícil você reiterar essas imagens de uma certa pureza, de que os indígenas são seres intrinsecamente ecologistas e que vivem em oposição a tudo que diz respeito às tecnologias, às mercadorias etc. Acho que esse discurso vai ficando cada vez mais antigo frente a essas novas narrativas. Claro que ainda tem muito o que se avançar nesse campo, mas se está caminhando.”
(Antropóloga)

Crédito: Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Ainda que reconhecendo a importância das redes sociais, uma pequena parcela dos entrevistados de públicos engajados fizeram questão de pontuar a relevância de ocupar e disputar espaços também na mídia tradicional.

“As redes sociais têm uma penetração muito grande, e um meio de comunicação, imediato, sem mediação, mas eu não acho que dá para prescindir da imprensa. Os movimentos indígenas estão bastante fortalecidos, mas a gente tem caminhos a percorrer.”
(Jornalista)
“Hoje, os canais das organizações indígenas têm milhares de seguidores e estamos crescendo, mas isso não reflete os milhões de pessoas que têm no Brasil, os 200 e lá vai cacetada de milhões de habitantes aqui. E eu acho que 80%, 70% da população brasileira desconhece a sua própria história. Por isso, acho que a gente ainda precisa de mais espaços nas grandes mídias para contar essa história.”
(Comunicador indígena)

Novos espelhos, muitas conexões, orgulho de suas identidades

O uso da internet e das redes sociais é comumente apresentado por indígenas como ferramenta de luta e resistência. Diversos entrevistados apontaram que as redes sociais têm sido importantes também para a autoafirmação e para a valorização de identidades indígenas, para trocas e conexões entre diferentes povos e culturas.

“As redes sociais, a internet, o Facebook, o WhatsApp são ferramentas muito poderosas, apropriadas pelos Guarani para fortalecer a sua própria socialidade. Assim como a fumaça do petyngua, que é o cachimbo, a internet te coloca num estado em que você é capaz de ver e se comunicar com pessoas e situações que estão longe no tempo e no espaço, essas ferramentas tecnológicas maximizam essa possibilidade de estar conectado à distância. Acho que isso os mobilizou muito politicamente, e outras esferas da vida puderam se fortalecer também. Com os seus poréns, que a gente bem sabe, em relação a essa forma de comunicação via redes sociais.”
(Antropóloga)
Crédito: Mídia Guarani Mbya
Crédito: Mídia Guarani Mbya
Crédito: Mídia Guarani Mbya
Crédito: Mídia Guarani Mbya
Crédito: Mídia Guarani Mbya
"A galera nas redes hoje em dia tem muito orgulho da identidade. A galera bate no peito e fala 'eu sou etnia tal'. Isso é uma coisa muito legal. Não era assim. Eles estão perdendo a vergonha e o preconceito que por muito tempo foi internalizado."
(Cientista)
“Tem um grupo muito grande de indígenas com perfis nas redes sociais. Eu não uso Facebook há muito tempo, mas no Twitter é uma coisa um pouco mais recente, mas é impressionante, você consegue falar com povos de todas as partes. E teve uma coisa sensacional que eles fizeram no ano passado, que eles copiaram de indígenas dos Estados Unidos, ou da Austrália, não sei. Eles fizeram uns videozinhos pro TikTok que eles aparecem vestidos de branco, sabe? O que eu ri daquilo, foi tão bacana. Isso viralizou na época.”
(Assessoria de Comunicação)
“Com a nossa presença e aparição, somos reconhecidos por jovens que passaram a ter outras referências e espelhos, que passaram a valorizar mais suas próprias culturas.”
(Artista indígena)
“Sempre me impressionou a quantidade de indígenas que me adicionava no Facebook, e como o messenger era algo tão importante pra eles – para as trocas, para os comunicados, para as emergências, como era usado pelos professores para se comunicarem com a secretaria de educação local, por exemplo. Comecei a perceber que era por ali que a vida acontecia.”
(Cineasta/Escritora)
“Hoje, com um celular e um microfone, consegue-se gravar. Isso modifica a rapidez e o alcance da informação. O que se perdeu, talvez pela própria velocidade, é a formação política. Devo a minha formação a dois lugares. Primeiro, ao movimento indígena, que me deu acesso às teorias e às ferramentas de comunicação, com o apoio do Instituto Socioambiental (ISA). Além das vivências com o movimento indígena, de participar de assembleias, rodas de leitura sobre a Constituição, eu tive oficinas com comunicadores de outros lugares: indígenas do Peru, da América do Norte, com os zapatistas. Tive uma formação política que acho que os jovens hoje já não têm mais.”
(Artista indígena)

Os indígenas descrevem as redes sociais como essenciais para o reconhecimento de suas vozes, maior visibilidade para a causa indígena e para os seus trabalhos e para a construção e fortalecimento de redes afetivas e de apoio entre os indígenas e não indígenas.

“A projeção que eu conquistei nos últimos anos foi por meio das relações que fui estabelecendo nas redes sociais.”
(Artista indígena)
Crédito: Reprodução Instagram

Em entrevista à revista Gama, o artista Jaider Esbell (falecido em 2021) afirmou: “Artisticamente, nasci dentro do Facebook. Foi uma ferramenta que me ajudou muito a vender e manter uma rede de pessoas que dialogam com meu trabalho, pesquisadores, professores e outras lideranças pelo Brasil e o mundo. Com certeza, fez toda a diferença. Pude experimentar ainda mais a ideia da autonomia. Não tive que me submeter a um galerista e entrar numa relação meramente comercial ou até exploratória. A rede social é fundamental porque me dá essa vazão para trabalhar tanto a imagem quanto o texto e participar das discussões sem intermediários”.

Perfis específicos de influenciadores indígenas foram destacados apenas por uma parte dos públicos engajados, como representantes da sociedade civil e antropólogos. Já entre os públicos interessados, reconheciam o fenômeno, mas dificilmente citavam nomes, ou muitos nomes.

“Há uma presença marcante de indígenas, né? Eles mesmos falando por si, está havendo essa virada dos movimentos identitários e das comunidades tradicionais. Com o advento da tecnologia, conseguem atingir um público grande pelo trabalho engajado que fazem nas redes sociais. Tem até um que eu sigo, é Baniwa. Ele sempre colocava coisas muito interessantes no Instagram, eu não lembro o primeiro nome, Wilson? Eu sou muito ruim pra lembrar dessas coisas.”
(Cientista Política)

Além de estarem à frente da desconstrução de estereótipos, os influenciadores indígenas foram descritos entre os que melhor apresentam e representam a diversidade dos povos indígenas na atualidade, que constroem novas narrativas e se contrapõem às contranarrativas, que dominam as linguagens das redes sociais e que têm tido o maior alcance na interlocução com não indígenas. Uma pequena parcela dos entrevistados citou ainda a importância da venda de artesanato indígena via redes sociais.

“A juventude indígena está bem sincronizada com o movimento indígena, ocupando espaços no YouTube, Instagram, falando de coisas sérias, dominando muito bem suas presenças nesses lugares. O que chama a atenção é como eles têm técnicas para usar as ferramentas e como usam a comédia e o drama no momento certo, como eles têm a sacada do que fazer. Conseguiram o que outros não conseguiram, uma quantidade enorme de pessoas interagindo com eles.”
(Artista indígena)
“Às vezes, me dizem no direct que eu não deveria estar ali, que eu deveria estar na roça. A nossa presença nas mídias sociais é exatamente para desconstruir esse tipo de preconceito. A minha presença enquanto jovem estudante universitária nas mídias sociais mostra para essas pessoas que a figura do indígena não é aquela que a sociedade vem alimentando desde sempre.”
(Influenciadora indígena)

Crédito: Wari'u

“O que tem de mais potente são esses criadores indígenas, não necessariamente os chamados influencers, mas lideranças que estão se colocando nas redes sociais, como a Sônia Guajajara. Não são jovens, mas são lideranças que têm uma narrativa muito firme e concepções das questões indígenas muito amplas, são muito experientes. O conteúdo sobre povos indígenas é muito impulsionado por esses criadores. Há pelo menos 25 nomes com mais de 50 mil seguidores no Instagram hoje. O Twitter também tem uma grande quantidade de influenciadores digitais. Isso tem sido uma forma de lidar com essas ondas de desinformação.”
(Influencer indígena)
“Quanto mais as pessoas se envolvem com essa questão de cultura, mais elas entendem, mais elas querem saber, mais respeitam a cultura do outro. Faz muito parte do nosso trabalho, a gente fala sobre culturas indígenas, a gente apresenta diversidade e coisas que normalmente as escolas não abordam. Eu acho que isso é o que gera mais engajamento na minha rede hoje.”
(Influenciadora indígena)
“Acho que tem um pouco um ranço de esquerda nesse discurso todes, todes nós e acho que alguns dos indígenas das redes sociais foram capturados por essa coisa identitária, um pouco chata, sabe? Mas acho que são super importantes as mensagens sobre direito a território, sobre autonomia, sobre o fato de eu usar um celular não me torna menos índio.”
(Jornalista)
“Uma coisa que tem me chamado a atenção, sobretudo no TikTok e no Instagram, é a quantidade de jovens indígenas ocupando lugares não convencionais. Eles estão falando sobre poesia, feminismo, política, temas que lhes interessam, e não estão restritos às questões indígenas, mas, claramente, estão se colocando a partir da sua cultura, da sua referência, da sua identidade, ainda não presos à militância.”
(Empreendedor)
“Os influenciadores têm atraído muitos seguidores que não são indígenas. Estão ensinando uma série de coisas para as pessoas, escancarando o preconceito, fazendo elas refletirem. Acho que aos poucos estamos desmistificando o que é o indígena contemporâneo.”
(Cineasta indígena)

A ativista e comunicadora indígena Alice Pataxó, com mais de 107 mil seguidores no Twitter e 135 mil no Instagram, foi um dos nomes de influenciadores digitais mais citados por entrevistados engajados e empáticos.

@alice_pataxo também foi identificado como o principal perfil do debate sobre povos indígenas no Twitter entre janeiro e maio de 2021 e esteve entre os principais no período analisado, de acordo com o levantamento da DAPP/FGV – mais em Redes sociais.

Crédito: Deutsche Welle

Em 2021, Alice Pataxó foi responsável pelo discurso de encerramento da COY16 —  versão jovem da COP26 —, recebendo ainda mais atenção da imprensa no Brasil após ter seu perfil recomendado pela ativista paquistanesa Malala. Ela foi também a atração do festival Wired 2021, esteve na bancada do Roda Viva com Txai Suruí e Almir Suruí e foi uma das influenciadoras escolhidas para apresentar a coleção Deusas Inspiradoras, linha de esmaltes da Risqué. 

Alice Pataxó, que é estudante de Humanidades pela Universidade Federal do Sul da Bahia, é colunista no Yahoo Brasil e jornalista do projeto Colabora e, no início de 2022, se juntou a uma equipe de jornalistas para acompanhar os impactos das enchentes no Sul da Bahia. 

Com mais de 150 mil seguidores no Instagram, Tukumã Pataxó, estudante de Gastronomia na Universidade Federal da Bahia, diretor de comunicação da Associação de Jovens Indígenas Pataxó (Ajip), colaborador do Mídia Índia, foi incluído na edição especial Wired Festival Brasil – Uma Viagem Pela Criatividade Brasileira em 50 nomes. Em 2021, Tukumã ganhou o Prêmio Sim à Igualdade Racial na categoria Representatividade em Novos Formatos.

Crédito: Reprodução Instagram

Com mais de 90 mil seguidores no Instagram, a ativista Célia Xakriabá, que fez parte da primeira turma de Educação Indígena da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2013, mestrado em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB) e doutoranda em Antropologia Social pela UFMG, é uma das fundadoras e lideranças da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga). Célia Xakriabá, que recebeu o Prêmio Arcanjo de Cultura na categoria Redes em 2021, é também uma das roteiristas da minissérie documental sobre música indígena brasileira do DJ Alok, que vem sendo produzida em parceria com a produtora Maria Farinha Filmes.

Tukumã Pataxó e Célia Xakriabá também são os apresentadores do primeiro podcast indígena da Globoplay, o “Papo de Parente”. Descrito como um podcast para indigenizar o Brasil, “convida o ouvinte a se conectar com a cultura indígena por meio da agricultura, culinária, política, literatura, medicina e esportes tradicionais”.

Muitos outros perfis foram mencionados por entrevistados, entre os quais o de Daiara Tukano, Cristian Wariu,Sam Sateremawe, Denilson Baniwa, Myrian Krexu, Daniel Munduruku, Kaê Guajajara, Beto Marubo, Julie Dorrico, Katú Mirim, Aislan Pankararu, Dário Yanomami, Gustavo Caboco, Dayana Molina, Francisco Piyãko, Renata Tupinambá, Mari Guajajara (...). Lideranças do movimento indígena, comunicadores, artistas, escritores, estilistas, cantoras, compositoras, modelos, médica (...).  

Além de chamar a atenção da imprensa, os influenciadores indígenas têm sido convidados a falar sobre representatividade, começaram a ser contratados por agências, a ser citados em relatórios de tendência e fazer campanhas publicitárias, como a da Risqué com Alice Pataxó e a da água Ama da Ambev com Tukumã Pataxó. 

Tukumã Pataxó se juntou a Anitta e Regina Casé no casting da Map Brasil, especializada em estabelecer negócios e relações entre marcas, artistas e personalidades do entretenimento. Ele é também parceiro institucional e porta-voz do Digital Favela, plataforma criada para aproximar influenciadores de comunidades carentes de todo o Brasil e anunciantes. "Estamos trazendo esse mundo digital e sua rentabilidade para dentro das aldeias. A profissão de influenciador digital nas comunidades indígenas cresce cada dia mais. Estamos demarcando nossas terras e ocupando telas", afirmou Tukumã em um comunicado. 

Crédito: Reprodução Instagram e Digital Favela

Não citada pelos entrevistados, Cunhaporanga tem mais de 525 mil seguidores no Instagram e 6,5 milhões de seguidores no TikTok. A jovem Tatuyo, do Amazonas, ganhou as redes dividindo seu dia a dia na comunidade – as tradições do seu povo, sua língua, seu território, suas comidas, suas plantas medicinais, seu artesanato.  

“Cunhaporanga, é verdade que vocês comem larvas? Claro que comemos! Quer ver?” O vídeo em que aparece comendo larvas de besouro viralizou no  TikTok, chamando a atenção da imprensa e de veículos como o Washington Post e promovendo um reencontro com a apresentadora do SBT Eliana. 

Crédito: Reprodução Instagram
Crédito: Reprodução Instagram
Crédito: The Washington Post
Crédito: Reprodução Instagram

Mídias indígenas: a voz dos povos indígenas, por indígenas

Diversos entrevistados, especialmente da sociedade civil e jornalistas, citaram como referência de mídia indígena o podcast ”Copiô, Parente!”, do Instituto Socioambiental (ISA), o primeiro podcast feito para povos indígenas no Brasil, que produz um resumo dos destaques das ameaças e vitórias dos povos indígenas e comunidades tradicionais no Legislativo, Executivo e Judiciário. 

“Tem o podcast da Letícia (Leite) também, que é um super negócio legal, que deriva da facilidade de uma tecnologia que não estava disponível dez anos atrás.”
(Assessor de Comunicação)
“​​Olha, pra mim, o ISA é um instituto muito de referência, sabe, muito mesmo. Tinha um tempo atrás, que eu acompanhava o ‘Copiô, Parente!’, que eu acho muito interessante.”
(Jornalista)

Letícia Leite, responsável pela criação do podcast, descreveu o seu surgimento da seguinte forma: “com a dificuldade da internet para carregar textos e imagens, isso levou a gente a pensar como se comunicar com parceiros. Isso tinha que ser feito nos espaços onde já acontecia a comunicação, que não era no nosso site. Eu estava certa que precisava fazer uma coisa oral, ali no WhatsApp. Foi assim que nasceu a primeira edição do ‘Copiô Parente’. Mandamos para 30 pessoas e rapidamente outras passaram a querer receber, foi sendo enviado para mais gente, até que fui entendendo que o que eu tava chamando de boletim de áudio era um podcast. Opa, a gente criou o primeiro podcast feito para povos indígenas. E, depois, rapidamente, conversando dessa necessidade que o produto fosse mais indígena, e não somente para indígenas, passamos por outra revolução, que foi a chegada do Cristian (Wairu) e do Gilmar (Terena). No mesmo ano que o ‘Copiô’ foi criado, a gente fez o ‘Vozes do ATL’, que era um podcast para falar do que estava acontecendo no Acampamento Terra Livre, depois a gente replicou o modelo com a Rede de Comunicadores do Wayuri, depois veio a Renata Tupinambá e fez o ‘Originárias’, o Cristian fez o ‘Vozes Indígenas’, tem uma coleção de podcast da campanha Nenhuma Gota a Mais (...)”.”

Crédito: Instituto Socioambiental (ISA)

A Rádio Yandê e a Mídia Índia foram citadas por uma pequena parcela de públicos engajados como uma outra mudança representativa da última década. 

“As redes sociais possibilitaram a difusão de informações importantes, com canais diretos. Rádio Yandê e Mídia Índia ganharam força a partir do Facebook.”
(Escritora/cineasta)
“A Rádio Yandê e a Mídia Índia são iniciativas muito importantes de luta política, de visibilização de conquistas, mas acho que ainda são feitas para falarem entre eles do que para falarem com públicos externos.”
(Artista)
“O negócio seria ver quem poderia investir e negociar para a Yandê estar na programação da rádio CBN.”
(Comunicador)
“Mais que uma rádio, Yandê é um projeto educacional, de comunicação, artístico, pedagógico. É um espaço único e inédito no Brasil, dedicado 24 horas por dia para músicas e criações indígenas.”
(Jornalista indígena)
“O que mais me chama atenção, acho que até porque tem uma cobertura permanente, contínua, é a produção da Mídia Índia. Essas novas formas das pessoas terem notícia a respeito de questões indígenas, enfim, acho que são estratégias bem incríveis.”
(Comunicóloga)
“Os jovens estão muito ativos, é muito impressionante. Muitas vezes transitam entre os territórios e cidades, produzem e reproduzem muitos conteúdos. Poderia citar, por exemplo, o Mídia Índia e o Eric Marky, que é um dos seus idealizadores.”
(Liderança indígena)
“Acho que ainda é muito nicho, ainda está muito setorizada, mas a Mídia Índia tem feito uns trabalhos incríveis."
(Cineasta)
“As organizações independentes como Mídia Índia têm tido uma ótima participação, mas ainda falta um pouco de aprofundamento jornalístico.”
(Doadora internacional)

A Mídia Índia, protagonizada por jovens indígenas que “contribuem para romper uma comunicação hegemônica e não participativa e que tem como objetivo a garantia de uma comunicação representativa”, foi fundada no Acampamento Terra Livre de 2017 por Erisvan Bone Guajajara.

Erisvan Guajajara, formado em jornalismo pela Universidade Federal do Maranhão, é ativista do movimento indígena, colaborador de comunicação da Rede de Juventude Indígena, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

Com colaboradores ao redor do país, como Priscila Tapajowara, Rodrigo Tremembé e Lídia Guajajara, a Mídia Índia lançou no início de 2022 diversos novos conteúdos e programas, como “Curiosidade dos povos indígenas”, “Saberes e Sabores Indígenas” e “Respeite o nosso Sagrado”. 

A iniciativa, que em 2020 foi a vencedora da 19ª edição do Prêmio Joan Alsina de Direitos Humanos, conta atualmente com 165 mil seguidores no Instagram, 60 mil  no Facebook e 13 mil no Twitter. 

A Mídia Índia é a página com mais publicações no debate sobre povos indígenas no Facebook e no Instagram em 2020 e 2021 e a sexta com mais engajamento no Instagram em 2020 e 2021, segundo o levantamento da DAPP/FGV – mais em Redes Sociais.

Crédito: Mídia Índia
Crédito: Mídia Índia
Crédito: Mídia Índia
Crédito: Mídia Índia
Crédito: Mídia Índia
Crédito: Mídia Índia

Criada em 2013 para a difusão da cultura indígena, a Rádio Yandê, que teve como fundadores a jornalista e curadora Renata Tupinambá, o artista Denilson Baniwa e o comunicador Anápuàka Muniz Tupinambá Hã hã hãe, é a primeira rádio indígena web do Brasil.

Em 2021, a artista, comunicadora e educadora Daiara Tukano, que já foi coordenadora da Yandê, apresentou uma série de lives no Facebook da Rádio Yandê durante o Abril Indígena, discutindo temas como a urgência da descolonização, soberania alimentar, indígenas LGBT. 

Em fevereiro de 2022, Anápuàka, atual coordenador da rádio, lançou a campanha “Eu quero que a Rádio Yandê continue online”, para a obtenção de doações financeiras para custear a manutenção do servidor e domínio da rádio em 2022. 

Crédito: Reprodução Instagram

Há ainda diversos coletivos de comunicação surgindo e sendo fortalecidos no país, como a Rede Wayuri, iniciativa com jovens de 10 etnias do Rio Negro, no Amazonas, que completa cinco anos em 2022 e eleita pela organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) como um dos 30 heróis da informação em nível mundial; e o Coletivo Audiovisual Munduruku Daje Kapap Eypi, formado por Aldira Akai, Beka Saw Munduruku e Rilcelia Akai, cujo projeto de curta-metragem “Autodemarcação e Fiscalização da TI Sawré Muybu” foi um dos sete selecionados para o Climate Story Lab Amazônia em 2021. 

As redes de comunicadores foram descritas como estratégias que transcendem a comunicação, fundamentais para fortalecer as conexões dos jovens com os conhecimentos tradicionais e com o território, além de oferecer uma fonte de renda.

“A Rede Wayuri é uma coisa fantástica. Essa é uma rede de comunicadores que têm produzido uma vez por mês um boletim, que é o Jornal Nacional deles. Uma experiência inédita, em São Gabriel da Cachoeira, que é o município mais indígena do Brasil, um município que não tem nenhuma afiliada de televisão, tem uma rádio local, com uma hora de conteúdo local só, o resto é transmissão do Rio de Janeiro.”
(Assessora de Comunicação)
“Começamos a pensar como seria fazer um jornal que integrasse alunos que estavam fazendo esses cursos e virássemos uma rede de comunicação. Foi criado um jornal e um programa de rádio em São Gabriel da Cachoeira. Foi esse movimento que deu origem à Rede de Comunicadores de Jovens Indígenas Wayuri. Eles criaram um método genial de comunicação que é o Fala Parente, pelo WhatsApp, o meio de comunicação mais eficiente hoje. Ainda me chama atenção como se articulam para fazer suas oficinas, seus projetos.”
(Artista indígena)
“A questão da comunicação surgiu como uma saída mesmo, tendo em vista que os jovens têm interesse pelo uso da tecnologia, pelo celular, e isso coincide com a ideia de dar a voz a eles. É uma coisa super interessante, que emerge como uma oportunidade convergente de diferentes demandas e possibilidades. E estamos vendo isso se reproduzir em diferentes frentes. Agora durante a Covid foi algo que mobilizou bastante a juventude.”
(ONG nacional)

Crédito: Repórter Brasil

Crédito: Enfrente

Vida comunitária e intergeracional, racismo e acesso à internet

Uma minoria entre os entrevistados engajados compartilhou ponderações sobre o uso das redes sociais pelos indígenas, com reflexões que muito se assemelham às que são dirigidas também ao restante da sociedade.

“O acesso à internet possibilita uma movimentação e um trânsito de informações, de saberes, que é super importante, especialmente nesse momento em que as comunidades indígenas são cada vez mais alvo dessa guerra contra elas e seus territórios. Além disso, tem ajudado a criar novas formas de comunicação, como a Rádio Yandê. Ela (a internet), entretanto, também pode contribuir para fragilizar ainda mais aspectos da vida das comunidades. Junto com a internet, chega o WhatsApp, o YouTube, não sei o quê, e aí, quando você vai ver, os velhos estão todos esquecidos, sem a atenção dos jovens, sem ter com quem conversar e com essa forma de educação intergeracional muito fragilizada. Como sabemos, essas tecnologias roubam mesmo a nossa atenção. Eu fico pensando nesses trânsitos entre mundos e acho que eles funcionam como armadilhas. E qual é a diferença entre a caça e o caçador, diante de uma armadilha? É quem cai nela, né? E quem mobiliza ela, no sentido de que seja útil para alguma coisa. Acho que essas coisas todas são muito ambíguas, elas sempre vão trazer pequenos cavalos de Tróia dentro de si. Então, como cuidar disso? Acho que aí está a grande maestria das lideranças.”
(Curadora)
“Melhor ter influencers indígenas que influencers cowboys. Os indígenas têm que fazer o que quiserem. Se quiserem tecnologia, que usem, claro. Não dá pra ser paternalista, mas a máquina publicitária engole, ela tem muita força e pode capturar a nossa potência. Às vezes, a gente se acha mais esperto que o capitalismo, só que ele obriga a gente a se enquadrar.”
(Artista)
“É importante agir de todos os lados, para que a gente combata a monocultura, mas, às vezes, esse ativismo digital não colabora com o fortalecimento da base. ​​O que adianta a demarcação do território se eu não souber as coisas dos mais velhos que estão indo embora? Se o meu povo não estiver falando a minha língua? Então, o cara vai ficando numa comunidade super ferrada, tendo que batalhar e o batalhar por aquilo vira o ganha pão dele.”
(Editora)

O racismo, mais uma vez, apareceu como questão, seja porque alguns dos influenciadores indígenas produzem conteúdo justamente para enfrentá-lo, seja pelos ataques que sofrem por estarem nas redes.

“Os influenciadores ocupam muito bem esse espaço online. Mas não fugimos de certas responsabilidades e armadilhas. O racismo é muito cruel nesse campo. A internet é terra de ninguém.”
(Cineasta indígena)
“Eu convido os estudiosos do ódio a verificar o que é dito sobre os indígenas no Brasil. Eles devem ser, de longe, os mais odiados, os mais perseguidos nas redes. Eu passei três dias vasculhando, é perplexo, inumano, aberrante. Acho que nem no século 16 as pessoas falavam o que estão falando hoje sobre os indígenas. ‘Vamos atropelá-los, vamos metralhá-los', coisas assim. Eu me lembro que caiu um avião e morreu uma indígena grávida e houve uma comemoração, ‘dois a menos’. Eu fico mal só em repetir. Eles são bombardeados pelo ódio, pelo preconceito, bombardeados.”
(Jornalista)
“Acho que deve ser um fardo estar nas redes, porque eles devem sofrer muitos ataques de racismo. Eles têm que explicar muitas coisas, isso deve ser cansativo, pesado e violento.”
(Cientista)
“Eu fui pra escola muito ciente do racismo que meus pais sofreram, que eu sofria, muito ciente desse distanciamento. Porque isso se estendeu durante toda a minha vida e, até hoje, nas minhas redes sociais, YouTube, Instagram, Twitter, todas elas têm como mote principal de explicar para as pessoas o que é ser indígena no século XXI.”
(Influenciador indígena)
Crédito: Instituto Socioambiental (ISA)
"Há um racismo disseminado no Twitter. Os índios que queimam a Amazônia, por exemplo. Isso aí foi o dog whistle que o Bolsonaro soltou e que você vê reproduzido demais nas redes sociais. Quando tem prova de vestibular, discussões sobre as cotas pra indígenas, sempre tem uma enxurrada de comentários, que é falso índio, que é burro, que não ia passar sem a cota, que está roubando vaga de gente mais inteligente. E tem aqueles piores, que é alcoólatra, que é ladrão, chama de bugre, os termos mais históricos. São muitas gradações de racismo. Há pessoas dentro do MPF, por exemplo, que estão atentas a isso, mas o sistema de justiça ainda não aborda muito bem essa questão.”
(Assessora de Comunicação)

No artigo "Existência e Diferença: O Racismo Contra os Povos Indígenas”, Felipe Milanez, Lúcia Sá, Ailton Krenak, Felipe Sotto Maior Cruz, Elisa Urbano Ramos, Genilson dos Santos de Jesus sugerem: “um importante trabalho ainda a ser feito, que foi suscitado em nossa pesquisa colaborativa, é a necessidade de uma avaliação e acompanhamento dos caminhos percorridos pelos processos de denúncia formalmente registrados como racismo. Em outras palavras, a partir dos casos de racismo, podemos indagar sobre quais são os caminhos para a efetivação das denúncias que as vítimas encontraram na busca por justiça. Existem ouvidorias eficientes no acompanhamento e encaminhamento desses casos? Os indígenas têm conhecimento sobre quais os canais de denúncia e ouvidorias eles podem recorrer para efetivar denúncias de racismo?”

Legenda: Entrevista com Edson Kayapó para o projeto Racismo e Anti-Racismo: O Caso dos Povos Indígenas
Crédito: Lúcia Sá, Universidade de Manchester
“O trabalho que o movimento negro vem conseguindo fazer de apontar, de demonstrar o racismo institucional contra os negros, eu acho que os indígenas ainda não conseguiram, entendeu? É aquela coisa que está nos mínimos detalhes? A invisibilidade no Brasil pra questão do racismo indígena, acho que é muito maior do que a questão do racismo contra os pretos.”
(Sociólogo)
“Seria ótimo contar com um suporte mais próximo das próprias redes, principalmente voltadas às denúncias de postagens ou qualquer material que seja veiculado dentro dessa rede. Quando existem ataques ligados ao movimento negro, isso é rapidamente tirado dessas redes. Como a discussão sobre racismo voltada à questão indígena é recente nas redes, às vezes, não sabem lidar, não sabem identificar se alguma coisa é racista ou não. Acho que essa proximidade com criadores indígenas seria de grande valia. Às vezes, as pessoas julgam certas postagens como inofensivas, mas, na realidade, são muito violentas.”
(Influenciador indígena)

Apesar da evidente e crescente preocupação com fakes news entre os entrevistados engajados/interessados, apenas uma das entrevistadas mencionou estar começando a desenvolver um projeto de educação midiática para os povos indígenas – mais em Dos muitos desafios.

"A gente saiu para procurar alguém que trabalhasse com educação midiática, a gente convenceu os indígenas a comprar essa ideia, explicando que crianças, filhos da elite de São Paulo, estão tendo educação midiática, portanto, os indígenas também merecem. Esse é o futuro e a gente precisa disso. Foram feitos dois workshops curtos de uma hora, uma hora e meia, tailor made, um para as lideranças e outro para os jovens e a diferença básica entre os dois é que centrava em redes sociais diferentes. Das lideranças, foi basicamente WhatsApp e, dos jovens, incluía também Instagram, TikTok, outras redes que elas usam. ​​De tudo que a gente tentou, acho que foi o mais bacana. Agora a gente quer fazer com nichos. Professores, indígenas da área de saúde, jovens, mulheres.”
(Assessora de Comunicação)
Crédito: Instituto Kabu

O acesso à internet em algumas regiões do país foi apontado como uma limitação, especialmente por entrevistados indígenas.

“A internet representa um risco, mas hoje é também uma necessidade e nos ajuda de várias maneiras. Não podemos evitar, e o acesso ainda continua muito limitado em algumas regiões do país.”
(Liderança indígena)
“Você continua tendo um problema de infraestrutura muito grave no Brasil. Precisamos inclusive de um levantamento mais concreto. Eu não vou ter os números para passar. Esse é o mapeamento que a gente precisa fazer.”
(Jornalista)
“O problema é que não temos uma política de inclusão digital. Houve tentativas de acordos, de criar obrigações para as operadoras de telefonia para que elas, ganhando um espaço onde há muito lucro, por exemplo, fizessem investimentos em lugares onde não há retorno financeiro. Então existem políticas nesse sentido, mas você não vê o cumprimento dessas políticas. Do ponto de vista do mercado, essa é uma questão não resolvida. Do ponto de vista de políticas públicas, são políticas que muitas não vingaram ou não foram cumpridas, não houve fiscalização.”
(ONG nacional)

O projeto “Descolonizando a Internet”, da Whose Knowledge?, busca discutir, problematizar e propor respostas para o que chamam de crise oculta de desconhecimento – “não nos conhecemos adequadamente, nossas histórias e conhecimentos em um mundo rico, diversificado, multilíngue e multicultural. Muitos de nós permanecem invisíveis e não ouvidos, e isso se torna pior quando nossas histórias e conhecimentos estão ausentes online.” Em fevereiro de 2022, a Whose Knowledge, em parceria com o Centre for Internet and Society (CIS) e o Oxford Internet Institute (OII), lançou um relatório sobre o Estado dos Idiomas na Internet

Entrevistados interessados e não engajados e os formadores de opinião, como economistas e os empresários, ainda têm pouco ou nenhum contato com o conteúdo de perfis indígenas nas redes sociais.

“Eu uso Linkedin, é um ambiente mais civilizado. Lá tem muito material de organizações falando em soluções para a floresta.”
(Empreendedor)

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