Povos indígenas e comunidades tradicionais

Capítulo 2

Povos indígenas e comunidades tradicionais

pra você que tá sem tempo...

A construção e a adoção do termo “povos tradicionais” foram detalhadas por entrevistas com os públicos engajados/interessados, especialmente cientistas e antropólogos, para pontuar como algo muito recente na história do país. A “ambientalização das lutas sociais a partir dos anos 1980”, a “Constituição de 1988”, as “políticas públicas do primeiro mandato do governo Lula” foram os marcos mais citados.

Os povos indígenas foram mais mencionados que os demais povos tradicionais e, por isso, acabaram sendo o foco desta pesquisa. 

Depois dos povos indígenas, os quilombolas foram os mais citados, ainda que por um número bem menor de pessoas de públicos engajados/interessados. “A questão dos quilombolas é muito interessante. Assim como os povos indígenas, foi só a partir de 1988 que a gente conseguiu formalizar a existência dos quilombolas como sujeitos, como povos que podem auferir direitos específicos.” Entrevistados apontaram que eles têm tido um pouco mais de visibilidade pública nos últimos anos e que há maior interesse e apoio financeiro por parte de doadores nacionais e internacionais, assim como indicado que a conexão com o movimento negro urbano seja encorajada e apoiada. Um número menor de pessoas mencionou os ribeirinhos e outros povos ainda muito invisibilizados. “Povos tradicionais, como os ribeirinhos, os seringueiros e outros não têm tido tanta deferência, tantos programas oficiais, ou projetos de ONGs e até dos pesquisadores de instituições de pesquisa públicas, quanto os povos quilombolas e os indígenas. Eles estão esquecidos, não têm os seus territórios demarcados e estão em regiões com muitos conflitos. Acho que isso é um imenso problema, ainda a ser consertado.”

A maioria desses entrevistados citou muito mais os povos indígenas na Amazônia. “A visibilidade e o fortalecimento dos povos indígenas na Amazônia se deram em um contexto muito particular. A Amazônia se transformou em uma grande questão global, que acabou fazendo com que as pessoas enxergassem os povos indígenas ali como experiências de existências humanas capazes de equilibrar os seus modos de ação sem correspondente de degradação ambiental.” 

Na publicação “Povos tradicionais e biodiversidade no Brasil - Contribuições dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais para a biodiversidade, políticas e ameaças”, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), os cientistas ressaltam que “a Amazônia é o bioma sobre o qual se conseguiu reunir mais documentação, assim como há maior volume de informações sobre povos indígenas. Esse viés é atribuível à diferença no volume de fontes e de pesquisas. Por enquanto, são menos abundantes as fontes disponíveis sobre quilombolas e comunidades tradicionais.”

Diversos entrevistados, entretanto, discorreram sobre a necessidade de dar mais atenção aos indígenas que vivem em outros biomas, aos indígenas no Nordeste, aos Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul e aos indígenas em grandes cidades como Manaus e São Paulo. “Mesmo as pessoas mais envolvidas com a pauta indígena em São Paulo estão mais interessadas nos índios na Amazônia que nos índios de SP.” De acordo com o Censo 2010 do IBGE, a população indígena é de 896,9 mil pessoas; 36,2% em área urbana e 63,8% em áreas rurais. São Paulo está entre os 10 municípios com a maior população indígena do país. 

O “atual e agitado debate sobre pautas identitárias”, os “indígenas autodeclarados”, e a “crescente crítica e questionamento do uso do termo pardo” também foram assuntos citados e apontados como ainda não devidamente discutidos e centrais para o país. 

O aumento do número de pessoas que se declaram indígenas foi apontado como uma grande novidade narrativa. No podcast “Nhexyrõ - artes indígenas em rede”, o artista Denilson Baniwa afirmou: “Eu concordo existir autodeclaração. Acho que qualquer pessoa pode se declarar indígena. Porém, já que você se declara, você tem que bancar o que é ser indígena. Porque ser indígena não é só se declarar e ficar postando no Instagram, ficar postando fotos pintadas com cocares e adereços bonitinhos. Ser indígena é muito mais do que uma aparência, é muito mais do que se dizer índio, né? (...)”

Alguns cientistas levantaram questões sobre a forma de categorizar algumas dessas comunidades tradicionais. “A categoria extrativista é transposta do período colonial e da borracha. Uma categoria social e econômica que ficou sendo usada hoje. Qual o problema com isso? É uma categoria que é associada à passividade e isso posiciona pequenos produtores e populações amazônicas dentro de uma categoria econômica sem valor social. E essa narrativa vem sendo reproduzida, principalmente, na área ambiental (...).”

Alianças históricas e as novas entre os povos tradicionais foram celebradas, indicadas como essenciais e apontadas como a serem ainda mais fortalecidas. A Aliança dos Povos das Florestas foi relembrada em várias entrevistas, a Marcha das Mulheres Indígenas e o encontro com as Margaridas incluídas entre os momentos-marco. A Teia dos Povos foi descrita como uma iniciativa que vem promovendo ações e discussões muito sofisticadas sobre identidade e direito à terra.

Para a população geral, o termo “povos tradicionais” não é autoexplicativo. Espontaneamente, fazem referência aos povos indígenas, eventualmente são citados também os quilombolas e ribeirinhos, mas surgem algumas confusões com tudo o que representa “tradicional” e ligado a comunidades com raízes antigas – incluindo, por exemplo, os portugueses colonizadores e imigrantes.

Esses públicos apresentaram generalizações sobre o que é ser indígena e têm visão estática da cultura. Eles tendem a fixar a contribuição social dos povos indígenas no passado, correlacionando esses modos de vida fora do mercado com pobreza e o acesso a telefones celulares, internet, automóveis etc. como indicativo de assimilação cultural – mais em Públicos não engajados.

"Acho que pouca gente no Brasil compreende a importância dessa dimensão cultural da sociodiversidade brasileira. Mesmo a esquerda está cega para isso.”

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“Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”, define a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT).

Estabelecida em 2007, a PNPCT foi criada em um contexto de busca de reconhecimento e preservação de outras formas de organização social por parte do Estado e tinha como principal objetivo promover o desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia de seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização à sua identidade e suas instituições.

“Quando eu fui no encontro nacional dos povos e comunidades tradicionais, eu me encontrei na vida. Encontrei pessoas que tinham as mesmas angústias que eu, pessoas dizendo aquilo que eu sentia. Eu nunca tinha ido a outras partes do Brasil, e ali as pessoas estavam falando exatamente aquilo que eu vivia, as dificuldades e os preconceitos que eu sofria. Eu, a pessoa estranha que tinha conseguido chegar à universidade, finalmente entendia que eu nada mais era do que uma pessoa com bagagem e vivência diferentes.”
(Liderança quilombola)
“Em 2005, 2006, tiveram encontros regionais, e aí, em 2007, saiu a política – PNPCT. Nunca na história do país houve uma política como essa, nunca teve nada. E a gente se sentia muito responsável por tudo isso, como ainda se sente. De 2007 até 2015, muita coisa avançou na Comissão Nacional dos Povos Tradicionais. A gente fazia muitas críticas ao governo Lula, ao governo Dilma principalmente, mas a gente teve ali a chance de tocar em algumas feridas históricas dos processos de exclusão, avançou muita coisa, com certeza. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o Programa Minha Casa, Minha Vida e várias outras políticas de inclusão social, né? Mas o debate nunca foi fácil junto com o governo, mesmo a gente tendo um governo dito popular. A gente tinha embates muito ferrados."
(Liderança quilombola)
Crédito: Ministério do Meio Ambiente
Crédito: Ministério do Meio Ambiente
Crédito: Ministério do Meio Ambiente

Diversos entrevistados de públicos engajados/interessados, especialmente cientistas e antropólogos, fizeram questão de traçar a cronologia da construção e adoção do termo “comunidades tradicionais”, especialmente para pontuar como algo muito recente na história do país.

A “ambientalização das lutas sociais a partir dos anos 1980”, ou a chamada "aliança com o movimento ambientalista”; “Chico Mendes e Aliança dos Povos das Florestas”; a “Convenção 169 da OIT – Organização Internacional do Trabalho”; a “Constituição de 1988”; a “Rio-92 e a Convenção sobre Diversidade Biológica”; a criação do “Conselho Nacional de Populações Tradicionais”; as “políticas públicas do primeiro mandato do governo Lula” foram os principais marcos citados para localizar o surgimento e o reconhecimento jurídico-formal, a adoção de políticas públicas e de processos burocrático-administrativos específicos para esses grupos.

“O fator identidade começa a aparecer, e nós estávamos na pré-história da emergência dessas identidades, durante a Constituinte.”
(Antropólogo)
“Para uma pessoa da minha geração, que fez graduação em Ciências Sociais na primeira metade dos anos 1980, não existiam povos e comunidades tradicionais. Esse sujeito político inexistia, eram todas sociedades camponesas. Também não se falava em quilombolas, pelo menos não no curso de graduação. Quando eu entro no mestrado, nesse curto espaço de tempo, essa questão das populações e comunidades tradicionais começa a ser pensada, visualizada no Brasil, principalmente no marco da Aliança dos Povos da Floresta e da criação do Conselho Nacional dos Seringueiros. Temos também, e essa margem é de certa forma aberta e conquistada com a Constituição, a abertura por reconhecimento das comunidades rurais negras, ditas remanescentes de quilombos. Paralelamente a isso, no campo acadêmico, na antropologia, você tem uma mudança no status, no reconhecimento e na reconceituação desses coletivos. A antropologia atravessa uma grande transformação nesse período.”
(Antropólogo)
“A questão dos quilombolas é muito interessante. Assim como os povos indígenas, foi só a partir de 1988 que a gente conseguiu formalizar a existência dos quilombolas como sujeitos, como povos que podem auferir direitos específicos. A luta dos quilombolas é uma pauta atravessada pela luta dos trabalhadores sem-terra, ao mesmo tempo que é atravessada pelas pautas dos povos originários. Essa luta traz também a necessidade de pessoas que foram construindo uma memória mais ligada à lógica de integração, de inclusão social, ou seja, que está inserida nos elementos de urbanidade, se reconectarem com sua ancestralidade pela ruralidade."
(Sociólogo)
“O Decreto 6040 formaliza, institucionaliza e reconhece a existência de uma diversidade de categorias e uma pluralidade de formas organizativas. Com isso, você quebra uma ideia que vinha sendo cristalizada no censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de que as identidades do Brasil estavam ligadas a critérios cromáticos. Ou seja, ou você é branco, ou você é preto, ou você é pardo, ou você é amarelo, ou você é vermelho (índio). Isso implode. Continua a existir, mas está implodindo."
(Antropólogo)
“Não é porque agora a gente tem esse cenário de terra arrasada que a gente tem que achar que foi pouca, insignificante, a evolução que tivemos nas últimas décadas. Não, não foi. Chegou a ter uma comissão de povos e comunidades tradicionais, instituída por um decreto do presidente Lula, só pra gente pensar o quanto esses grupos vinham avançando nos seus direitos. Eu digo isso porque em 1992 eu nunca tinha ouvido falar em quilombo, eu não sabia que existia quilombo, a não ser Palmares, e isso alguém que trabalhava com povos indígenas. Depois, descobri que tem faxinalense, que tem quebradeira, que tem pantaneiro, que tem essa diversidade enorme.”
(Jurista)

Comunidades tradicionais: termo desconhecido, considerado confuso

Alguns entrevistados de públicos engajados/interessados levantaram dúvidas sobre a compreensão e uso do termo pela sociedade brasileira.

"Acho que pouca gente no Brasil compreende a importância dessa dimensão cultural da sociodiversidade brasileira. Mesmo a esquerda está cega para isso.”
(Jurista)
“Tem uma coisa que ninguém sabe o que é, que é esse troço chamado de povo tradicional. Essa concepção, infelizmente, ficou presa nos escaninhos burocráticos lá do governo Lula, mas não saiu dali, não ganhou vida.”
(ONG nacional)
Crédito: Fórum Comunidades Tradicionais

Para a população geral, o termo “povos tradicionais” não é autoexplicativo. Espontaneamente, fazem referência aos povos indígenas, eventualmente são citados também os quilombolas e ribeirinhos, mas surgem algumas confusões com tudo o que representa “o tradicional” e ligado a comunidades com raízes antigas – incluindo, por exemplo, os portugueses colonizadores e imigrantes. Entre os segmentos de formadores de opinião não engajados, observa-se também insegurança no domínio da terminologia, sendo principalmente associado aos povos indígenas.

“Povos tradicionais? Que pergunta, nunca parei pra pensar, estou pensando pela primeira vez. Povos tradicionais, na minha percepção seriam os povos que são as raízes do país, os negros, os indígenas e os imigrantes.”
(Economista)
“Normalmente, povos tradicionais eu traduzo como povos da floresta. Os nossos povos tradicionais aqui são os indígenas. Nós também temos os ribeirinhos, e os pequenos agricultores, que moram no interior. Então, pra nós, equivale dizer que são os povos da floresta porque pode ser que a gente fale do povo tradicional pensando só nos indígenas.”
(Político)
“Eu acho que é um pouco aquela associação que a gente ainda faz da chegada dos portugueses. Os indígenas são aqueles que estão na floresta. A gente não pensa nos indígenas que estão nas áreas abertas, a gente não pensa nos indígenas que estão nas áreas costeiras, que estão nas áreas de campo, né? E as outras populações acabam sendo vistas como parte desse processo de amálgama das diferentes culturas. Então, esse processo de entender esse Brasil socialmente diverso, para além da questão só indígena, acho até mais difícil porque as identidades são mais difusas.”
(Cientista)

Necessidade de repensar termos, usos e conceitos

Alguns cientistas levantaram questões sobre a forma de categorizar algumas dessas comunidades, que acabou comprometendo o valor social dado a elas pela sociedade.

“A categoria extrativista é transposta do período colonial e da borracha. Uma categoria social e econômica que ficou sendo usada hoje. Qual o problema com isso? É uma categoria que é associada à passividade e isso posiciona pequenos produtores e populações amazônicas dentro de uma categoria econômica sem valor social. E essa narrativa vem sendo reproduzida, principalmente, na área ambiental, onde não se questionam essas categorias e, de certa maneira, as ciências sociais não têm se preocupado em entrar no mérito desses problemas. Acho que a gente deveria ter um papel muito mais crítico em questionar o conceito de agricultura, de desenvolvimento, questionar as categorias usadas, que se tornam realidade. A categoria agroindustrial é um termo usado amplamente para uma categoria extremamente diversa. Setenta por cento das pastagens na Amazônia estão dentro dessa categoria que é valorizada e são sistemas produtivos extremamente atrasados, improdutivos. Já o produtor de açaí, que é sempre mostrado como um bom selvagem, num lugar bonito, não é mostrado como um agricultor altamente produtivo. Ele faz parte de um sistema agrícola que pode parecer bagunçado à primeira vista, mas que é extremamente sofisticado.”
(Cientista)
“Acho que a gente precisaria de uma pesquisa ampla, multidisciplinar sobre isso, o nosso trânsito entre o tradicional e o contemporâneo. Há uma série de questões sociais, econômicas e até mesmo de saúde mental que precisamos enfrentar, coisas da vida que são muito complicadas.”
(Artista indígena)

No artigo “Populações tradicionais: introdução à crítica da ecologia política de uma noção”, de 2006, o antropólogo Henyo Barretto pontua: “o emprego do termo ‘tradicional’ para definir e/ou caracterizar seja esses grupos, o seu ‘estilo de vida’, a sua forma de apropriação dos recursos naturais e do território, dissimula a ausência de uma crítica semântica – todavia necessária. ‘Tradicional’, ‘arcaico’, ‘atrasado’, ‘primitivo’ e outros termos imprecisos e mistificadores – alguns dos quais a antropologia contemporânea conservou por comodidade e preguiça intelectual para designar certo tipo de sociedade”.

Legenda: Terra Indígena Piaçaguera, no litoral sul de São Paulo
Crédito: Comissão Pró-Índio
“O tradicional não é uma sequência histórica de tempo linear, não é aquilo passado de pai para filho, de geração em geração. Esse dado é central porque as pessoas continuam trabalhando com o mito das três raças, e ficam querendo amarrar tudo identitariamente aí. A ideia de terra tradicionalmente ocupada não é o tempo, nada tem a ver com o marco temporal, uma terra pode estar ocupada em um dia e ser tradicional, tradicional é a modalidade de uso do recurso. A modalidade que uma comunidade desenvolve. Esse conjunto de recursos e essa modalidade de relação antrópica, ela caracteriza uma tradicionalidade. Não é o intelectual pensando, são as experimentações concretas dos povos que estão fazendo isso.”
(Antropólogo)

Povos indígenas da Amazônia, nos demais biomas e nas cidades

Durante as entrevistas com os públicos engajados/interessados, os povos indígenas foram muitíssimo mais citados que as comunidades tradicionais e, por isso, acabaram sendo o foco desta pesquisa.

“Acho o protagonismo indígena fundamental até por uma questão de reparação histórica. Foram os primeiros brasileiros, alguns povos foram totalmente dizimados. Sem contar que eles estão nos territórios mais preservados, de acordo com a ciência, e são também uma das principais vítimas de racismo no país. A gente precisa contar melhor a história dos outros, não deixar de contar a história deles, sabe?”
(Ativista)
"Não tem jeito, mas acho que as pessoas das grandes cidades quando pensam em Amazônia, pensam em índio ainda, embora a Amazônia tenha 20 milhões de cidadãos.”
(Jornalista)
“Lá em Tabatinga, uma região composta por nove municípios na faixa de fronteira, a diversidade étnica dos povos indígenas é muito representativa. Tem muitos territórios indígenas ali, a segunda maior terra indígena do Brasil, a maior concentração de povos indígenas em isolamento voluntário do mundo, que é a Terra Indígena do Vale do Javari. Essa diversidade de realidades permite que a gente tenha uma compreensão muito complexa do ponto de vista socioambiental.”
(Sociólogo)

Ainda que os povos da Amazônia tenham aparecido muito mais nas respostas – da pluralidade de realidades existentes ali à preocupação com a situação dos povos isolados –, diversos entrevistados discorreram sobre a necessidade de que seja dada mais atenção aos povos em outros biomas, como os indígenas no Nordeste, os Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul e os indígenas em grandes cidades, como Manaus e São Paulo. Essa demanda apareceu ainda com mais frequência entre os indígenas ouvidos.

Crédito: Sesc Bauru

“A visibilidade e o fortalecimento dos povos indígenas na Amazônia se deram em um contexto muito particular. A Amazônia se transformou em uma grande questão global, que acabou fazendo com que as pessoas enxergassem os povos indígenas ali como experiências de existências humanas capazes de equilibrar os seus modos de ação sem correspondente de degradação ambiental. A emergência do tema aquecimento global, mudança climática, acabou fazendo com que eles ganhassem uma importância política muito singular. E, dentro do país, eles só ganham atenção a partir dessa pressão de fora.”
(Cientista político)
“Tem a Caatinga, tem o Cerrado, a nossa savana, o nosso sertão, esses outros biomas que não são floresta. A gente sempre associa os indígenas às florestas. Parece que os indígenas que não estão nas florestas são menos índios. É importante olhar pra isso. E quem está nesses lugares áridos?"
(Artista indígena)
“Tem toda a atenção para a Amazônia. Para os outros biomas falta tudo, né? Cadê os indígenas do Cerrado, da Caatinga, do Pampa? No Pantanal, apareceu agora um pouco mais recentemente pela tragédia que houve ali.”
(Cientista)
Crédito: Conexão Planeta
Crédito: Ascuri
Crédito: Campanha em Defesa do Cerrado
Crédito: Peter Caton/ISPN

Na publicação “Povos tradicionais e biodiversidade no Brasil – Contribuições dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais para a biodiversidade, políticas e ameaças”, lançada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em 2021: “A Amazônia é o bioma sobre o qual se conseguiu reunir mais documentação, assim como há maior volume de informações sobre povos indígenas. Esse viés é atribuível à diferença no volume de fontes e de pesquisas. Por enquanto, são menos abundantes as fontes disponíveis sobre quilombolas e comunidades tradicionais. Basta lembrar que a população quilombola iria figurar, pela primeira vez, apenas no censo populacional que estava previsto para 2020”.

De acordo com o Censo 2010 do IBGE, existem 305 etnias no Brasil. Ao todo foram registrados 896,9 mil indígenas, 36,2% em área urbana e 63,8% em áreas rurais.

O Amazonas possui a maior população indígena do país, com 168,7 mil pessoas, seguido de Mato Grosso do Sul, Bahia, Pernambuco, Roraima e São Paulo. O conjunto dos 10 municípios com maior população indígena reúne 126,6 mil indígenas, correspondendo a 15,5% dos indígenas no país. São Gabriel da Cachoeira (Amazonas); São Paulo de Olivença (Amazonas); Tabatinga (Amazonas); São Paulo (São Paulo); e Santa Isabel do Rio Negro (Amazonas) são os cinco municípios mais populosos desse conjunto.

“O crescimento de 10,8% ao ano da população que se declarou indígena, principalmente nas áreas urbanas do país, foi atípico. Não existe nenhum efeito demográfico que explique tal fenômeno. Muitos demógrafos atribuíram o fato a um momento mais apropriado para os indígenas, em que estavam saindo da invisibilidade pela busca de melhores condições de vida, mais especificamente, os incentivos governamentais”, destaca o documento “Os indígenas no Censo Demográfico 2010 – primeiras considerações com base no quesito cor ou raça”.

Legenda: 'Esse lugar também é meu': Indígenas denunciam preconceito nas cidades brasileiras

Crédito: Mongabay Brasil

“Acho que é muito importante, também, que é uma visibilidade da São Paulo indígena para além dos Guarani. São Paulo é uma das cidades que tem um dos contingentes indígenas mais significativos no país. Muito se fala, por exemplo, da importância dos nordestinos na construção dessa São Paulo industrial, moderna que a gente vive, mas pouco se fala que uma parte significativa desses nordestinos eram indígenas. Os Pankararu, por exemplo, que constituíram uma comunidade ali no Real Parque, e vários outros indígenas de outros povos do Nordeste por aqui.”
(Antropóloga)
“Mesmo as pessoas mais envolvidas com a pauta indígena em São Paulo estão mais interessadas nos índios na Amazônia que nos índios de SP.”
(Cineasta)
“Tem um processo muito legal que acontece, especialmente no Nordeste, que é de emergência de identidades indígenas com populações que eram caboclas e hoje estão reivindicando essa ancestralidade, essa identidade. Algo que está acontecendo pelo próprio esforço e capacidade de mobilização das populações tradicionais.”
(Antropólogo)
“A elite conservadora branca de Manaus é muito racista. Depois de São Gabriel da Cachoeira, é a cidade com uma das maiores presenças indígenas no Brasil. Mas os indígenas se embranqueceram muito em Manaus. Seria interessante ver como a autodeclaração acontece em Manaus atualmente. Manaus cresceu com os ciclos econômicos e foi construída ‘de costas para a floresta’, aquela noção de que quanto mais apartada do meio, mais civilizada.”
(Cineasta)
“Nesses últimos anos, você teve todo um processo que foi levando à construção de fortalecimento de identidades, de direitos. É muito interessante você ver no Nordeste, que era uma região que normalmente você não associava à presença de povos indígenas, grupos que hoje se auto identificam como indígenas, reconstroem essa identidade, tudo isso é parte desse processo.”
(Cientista)

Crédito: Juão Nyn

“Durante os governos do PT, houve decepção pelo fato de não terem avançado com as demarcações de terras indígenas, mas esse foi o período de fortalecimento das identidades das populações tradicionais, com as pessoas mais seguras para se identificarem como quilombolas e indígenas. O aumento das pessoas se declarando indígena foi, sem dúvida, uma grande novidade narrativa. Não porque nasceram mais indígenas, mas porque mais pessoas se autodeclararam. E, a partir disso, as pessoas começam a se reconectar com as suas identidades. Há um movimento profundo de reconexão, de busca, de reorganização cultural.”
(Cineasta)

O “atual e agitado debate sobre pautas identitárias”; os “indígenas autodeclarados”; e a “crescente crítica e questionamento do uso do termo pardo” também foram assuntos citados e apontados como ainda não devidamente discutidos e centrais para o país.

Em entrevista ao UOL, a escritora e pesquisadora de literatura indígena Julie Dorrico afirmou que "o movimento negro tem que reconhecer que essa contagem [de pardos como se fossem todos negros] acaba sendo etnocida com a população indígena. Eu sou classificada como parda, mas a minha amiga que é Pataxó, a minha amiga que é Guarani, minha amiga que é Kariri-xocó, elas também têm isso na certidão, carregam essa marca do pardo, mas são indígenas".

“Acho interessante a questão de os indígenas baterem de frente com os discursos racistas e racializados sobre os povos originários, que eles veem não só em pessoas brancas, mas inclusive em pessoas negras. Isso é muito bom. Não é porque você é militante de uma causa que você está salvo de ser criticado por outras.”
(Sociólogo)

Crédito: TV Tamuya

No 2º episódio do podcast “Nhexyrõ – artes indígenas em rede”, o artista Denilson Baniwa, em conversa com o artista Jaider Esbell, disse: “Eu concordo existir autodeclaração. Acho que qualquer pessoa pode se declarar indígena. Porém, já que você se declara, você tem que bancar o que é ser indígena. Porque ser indígena não é só se declarar e ficar postando no Instagram, ficar postando fotos pintadas com cocares e adereços bonitinhos. Ser indígena é muito mais do que uma aparência, é muito mais do que se dizer índio, né? Em primeiro lugar, se a gente for olhar a Constituição, os indígenas são aquelas pessoas que a comunidade reconhece. Se nenhuma comunidade te reconhece, meu amigo, minha amiga, calma lá. Peraí, vamos com calma nisso. A gente não pode chegar na casa, em qualquer casa, e já ir sentando no sofá, ou na cadeira, ou deitando na rede. A gente chega de mansinho... Então, se você se descobriu índio, parabéns. Acho que é um grande passo a ser tomado no reconhecimento identitário da pessoa. Mas não é ser reconhecido índio hoje e depois querer fazer revolução indígena sem antes ter passado por nenhum processo indígena. É ok você se declarar, mas não é ok, por exemplo, você atropelar indígenas que estão na luta há muito mais tempo. Não é ok ultrapassar indígenas que estão em contextos piores. Porque, claro, quem está na cidade, apesar das dificuldades, está melhor do que quem está na aldeia, né? Hoje, é mais fácil um autodeclarado conseguir uma exposição de arte do que um artista indígena que viva na aldeia. Então, os autodeclarados precisam se ligar nisso”.”

“Eu sou filho do Rio Apodi e da britadeira. Minha história, assim como a de muitos brasileiros, se perdeu na geração dos meus avós, mas essa ancestralidade me pertence, está presente e atravessa meu corpo. Esse meu lugar ainda precisa ser entendido e traz reflexões importantes.”
(Artista indígena)

Em junho de 2021, líderes indígenas iniciaram uma mobilização para estimular a autodeclaração no Censo 2022.

Em uma entrevista para a antropóloga Marta Antunes, do IBGE, o antropólogo João Pacheco de Oliveira destacou: “O Censo Demográfico de 1991 já apresentou muitas novidades, mas, ao analisarmos o de 2000, só podemos classificá-lo como espetacular em relação às interpretações que propiciou do Brasil. Este censo mostra índios em praticamente dois terços dos municípios brasileiros, destrói uma série de mitos em relação à concentração indígena em apenas determinadas áreas. Foi um marco fundamental e que ainda pode ser mais explorado pela antropologia. Com isso, não estou afirmando que não fosse necessário aperfeiçoá-lo. O Censo de 2010, por sua vez, aprofundou, sobretudo, com a colaboração da Fundação Nacional do Índio (Funai), os aspectos relativos às terras indígenas. É um censo que permite pela primeira vez individuar povos e línguas, o que considero extraordinário, um enorme avanço. Em contrapartida, o Censo 2010 deixou alguns aspectos a descoberto. Minha principal crítica diz respeito às populações indígenas residentes em cidades. Tenho participado de muitos encontros com etnólogos, em universidades de diferentes áreas do país, e sempre sinto uma insatisfação muito grande em relação aos dados apresentados sobre os índios residentes nos centros urbanos. Quando comparamos os resultados dos Censos Demográficos de 2010 e 2000, estranhamos a diminuição de indígenas nas cidades, porque não há qualquer possibilidade de se pensar que eles tenham se reduzido. De fato, vem aumentando a quantidade de indígenas que vão estudar e/ou trabalhar nas cidades, que são atraídos pela vida nos centros urbanos. Essa avaliação, compartilhada por organizações indígenas, entidades indigenistas e estudiosos da área, não coincide com os dados do Censo de 2010. Acho que houve um problema que deveria ser corrigido no próximo censo”.

Crédito: Reprodução Instagram

Entre os públicos não engajados, há um grande desconhecimento. Muitas pessoas demonstraram insegurança em fazer afirmações sobre os povos indígenas, pontuando sempre o distanciamento e a pouca informação para embasar suas opiniões.

Esses públicos apresentam generalizações sobre o ser indígena, têm uma visão estática sobre cultura, tendem a fixar a contribuição social dos povos indígenas no passado, a correlacionar esses modos de vida fora do mercado com pobreza, há enorme dificuldade de compreensão e questionamentos aos direitos civis por parte da sociedade, especialmente o direito à terra – mais em Públicos não engajados.

“Eu não tenho uma ideia bem formada sobre a quantidade de indígenas, mas eu acho que de 5 mil, não sei se chega a 10 mil pessoas. Os povos indígenas vivem a sua maioria no Amazonas, cada estado tem o povo indígena, aqui em Minas tem, no Rio Grande do Sul tem, a maioria dos estados tem.”
(Político)
“Às vezes, eu tenho a impressão de que a sociedade olha o povo indígena como um estorvo, um povo atrasado, que precisaria de fato ser incorporado ao modo de vida ocidental. Para essa população não faria sentido existir índio mais. Na hora que apareceu essa questão de inclusão, a sociedade tradicional brasileira exasperou, entrou num grau de negação, de não aceitação. A sociedade brasileira no seu íntimo tem essa coisa conservadora muito intensa, muito forte, que sempre foi de certa forma guardada implícita e de repente explodiu nos últimos anos, especialmente com o Bolsonaro. Hoje, é como se o Bolsonaro fosse o sancionador disso.”
(Economista)
Crédito: Reprodução Instagram

Expectativa de maior visibilidade ao movimento quilombola

Depois dos povos indígenas, os quilombolas foram os mais citados, ainda que por um número bem menor de pessoas de públicos engajados/interessados. Os entrevistados apontaram que eles têm tido um pouco mais de visibilidade pública, identificaram maior interesse e apoio financeiro disponível por parte dos doadores, internacionais e nacionais, assim como muitos sugeriram ser importante maior conexão, aproximação com o movimento negro urbano.

O Brasil abriga cerca de 6 mil comunidades quilombolas, mas só 137 têm posse oficial das terras onde vivem, segundo o Observatório Terras Quilombolas da Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPI-SP).

“O protagonismo do movimento indígena ainda não é alcançado pelos quilombolas, mas há uma melhora da articulação, especialmente por parte da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). E foi a Conaq que puxou inclusive a formação da Coalizão Negra por Direitos, logo após a eleição de Jair Bolsonaro. É uma articulação que se inicia com a Conaq, Uneafro, Geledés. A Coalizão traz esta marca fundante de ter um compromisso dos negros na cidade com o protagonismo dos negros do campo, em especial dos quilombolas. Hoje, você sempre olha o movimento quilombola como uma coisa e o movimento negro como outra coisa, quase que demarcadamente assim, movimento negro é movimento urbano, como se quilombola não fosse movimento negro, e o é na raiz. De maneira geral, ainda tem um problema de diminuição, da falta de compreensão da importância da pauta, o que é muito ruim. O racismo é perverso em diversas dimensões.”
(Ativista)
Legenda: Delegação da Coalizão Negra por Direitos na COP26
Crédito: Coalizão Negra por Direitos
“A questão quilombola, ela começou apenas a ganhar um pouco mais de reconhecimento e atenção dos cientistas nos últimos anos.”
(Cientista)
“Emergiu aos quilombolas essa percepção de falar povos escravizados e não escravos. Notei os quilombolas falando assim e, posteriormente, essa discussão foi ganhando força entre os movimentos sociais e acadêmicos. Essa foi uma construção coletiva que se consolidou. ‘Somos um povo forte que foi escravizado’.”
(Jornalista)
“Eu estou vendo vários financiadores querendo trabalhar com os quilombolas, uma novidade muito bem-vinda nesses últimos anos. Acho que há uma convergência ainda a ser feita com mais força entre o movimento negro urbano, super forte, e os quilombolas.”
(Assessor de Comunicação)
“Somos negros oriundos desse passado escravocrata integrado a uma lógica urbana. E somos oriundos dos povos quilombolas, que é outro registro de existência dessa dinâmica escravocrata e uma outra relação de povo e de terra. Só que quando a gente fala em quilombo vem diretamente a imagem de Palmares, que é a imagem dessa resistência construída e resgatada a partir da luta antirracista dos últimos 100 ou 150 anos. Isso acaba atrapalhando um pouco o que significa a organização social dos quilombos hoje. Pensar em quilombos no presente nos traz perspectivas completamente diferentes. Isso tem começado a entrar um pouco mais em jogo, a gente conhecer um pouco mais dessas histórias e dessas perspectivas. Disso passar a ser pra gente uma nova forma de entender onde esse legado e presente podem produzir para nós um lugar de referência, de perguntas, de agenda política. Algo ainda está por vir. Mas a maioria das pessoas não sabe o que é quilombo hoje. Acham que é Palmares. O léxico ainda está muito dentro disso.”
(Sociólogo)

Entre os públicos não engajados, o distanciamento foi ainda maior do que o das discussões sobre os povos indígenas; os entrevistados possuíam ainda menos contato, menos fontes de informação e compreensão sobre o assunto. Os economistas, líderes políticos e jornalistas mostraram mais familiaridade com o termo quilombola, colocado próximo à discussão de questões raciais e identitárias. Entre a população geral, foi mais associado à herança da história escravocrata, ou a discussões sobre preconceito racial. Muito poucos trouxeram espontaneamente questões sobre demarcação de terras, por exemplo.

Legenda: Aiuê de São Benedito, Comunidade Jauari, Quilombo de Oriximiná (PA)
Crédito: Comissão Pró-Índio

Ribeirinhos e outros povos ainda mais invisibilizados

Um número ainda menor de pessoas achou importante mencionar os ribeirinhos e outros povos ainda muito invisibilizados.

“Povos tradicionais, como os ribeirinhos, os seringueiros e outros não têm tido tanta deferência, tantos programas oficiais, ou projetos de ONGs e até dos pesquisadores de instituições de pesquisa públicas, quanto os povos quilombolas e os indígenas. Eles estão esquecidos, não têm os seus territórios demarcados e estão em regiões com muitos conflitos. Acho que isso é um imenso problema, ainda a ser consertado, né?”
(Cientista)
“A gente tem muito isso aqui na Amazônia, a própria Constituição reflete essa disparidade. Tem dois artigos que tratam dos povos indígenas e, quando a gente vai falar de quilombola, tem um artigo das disposições transitórias, uma coisa fora do texto principal da Constituição. E os ribeirinhos não são nem mencionados na Constituição. E é uma população tradicional de extrema importância, que está presente em toda a região amazônica.”
(Assessora de Comunicação)

Crédito: FIAN Brasil

“Os povos indígenas e em menor medida os quilombolas ainda têm alguma cobertura, atenção da ciência. Os outros povos tradicionais nem são vistos.”
(Cientista)
“Os ciganos me preocupam muito. São quase 500 mil pessoas, se não me engano, ainda muito invisibilizados.”
(Jurista)
“A gente não faz ideia da tragédia que se passa com as comunidades tradicionais no Cerrado atualmente. Raramente, você vê alguma matéria da mídia, provavelmente na mídia especializada, sobre o que acontece na Bahia. De vez em nunca um especialista denunciando comunidades sendo expulsas no Maranhão. Sobre o que acontece no Piauí, nem isso.”
(ONG nacional)
“A gente cobre os indígenas, os quilombolas, essas identidades ajudam essas pessoas a sair desse amálgama de não pessoas. Os trabalhadores rurais e sem terra só parecem ganhar legitimidade para ser pauta quando são vistos como populações tradicionais.”
(Jornalista)
Legenda: 1ª Marcha das Mulheres Indígenas em Brasília (DF)
Crédito: Apib
Legenda: 1ª Marcha das Mulheres Indígenas em Brasília (DF)
Crédito: Apib
Legenda: 1ª Marcha das Mulheres Indígenas em Brasília (DF)
Crédito: Apib
Legenda: 1ª Marcha das Mulheres Indígenas em Brasília (DF)
Crédito: Apib
Legenda: 1ª Marcha das Mulheres Indígenas em Brasília (DF)
Crédito: Apib
Legenda: 1ª Marcha das Mulheres Indígenas em Brasília (DF)
Crédito: Apib
Legenda: 1ª Marcha das Mulheres Indígenas em Brasília (DF)
Crédito: Apib

Por outro lado, as alianças entre povos tradicionais foram celebradas e indicadas como essenciais por diversas pessoas. A Aliança dos Povos das Florestas foi relembrada em várias entrevistas, a Marcha das Mulheres Indígenas e das Margaridas incluídas entre os momentos-chave e a Teia dos Povos, articulação de extrativistas, ribeirinhos, povos originários, quilombolas, periféricos, sem terra, sem teto e pequenos agricultores em defesa da territorialidade e soberania alimentar, descrita como uma iniciativa que vem “promovendo ações e discussões muito sofisticadas sobre identidade e direito à terra".

A Teia dos Povos também apareceu em 2021, pela primeira vez, entre os perfis com maior alcance potencial no debate sobre povos indígenas no Twitter, segundo o levantamento da DAPP/FGV – mais em Redes sociais.

Nesse sentido, um pequeno número de entrevistados fez referências e elogios às confluências vividas e propostas pelo lavrador, pensador, escritor Nêgo Bispo, morador do Quilombo do Saco-Curtume, no Piauí, e autor, entre outros, de “Quilombos, modos e significados” e “Colonização, Quilombos: modos e significados”. Uma confluência entre os saberes diversos dos povos da-na-com a terra.

Crédito: Reprodução Instagram

Não vai criar uma coisa monótona entre nós

Na mesa de encerramento da última edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) com o jornalista e sociólogo Muniz Sodré, Ailton Krenak disse: “essa invisibilidade dessa diversidade fantástica que o Muniz Sodré está falando, ela é tão impressionante que dizer que nós somos iguais é também sugerir que nós somos cegos, ou burros. Uma narrativa que quer instituir uma mesmice entre nós e pra nós, ela é uma ofensa. Eu gosto muito do Darcy (Ribeiro). Eu mesmo ia chamar umas citações do Darcy aqui. Mas eu queria dizer o seguinte. Se tem uma coisa que eu achava esquisita no Darcy era aquela ideia dele sempre evocar uma ideia de um povo brasileiro. Eu acho que era uma coisa ufanista, a veia ufanista dele. O povo brasileiro. O povo brasileiro não existe. É uma efervescência tão fantástica que a última coisa que você ia conseguir era criar uma coisa monótona entre nós. Alguém vai bater um atabaque, alguém vai tocar um apito, alguém vai fazer alguma cantoria, vai tocar um maracá, vai falar uma língua estranha (...)”.

Crédito: Flip

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