A autorrepresentação foi palavra-chave. “O que tem de mais bonito é a produção múltipla de imagens e delas serem registradas por quem está à frente da luta.” A produção de imagens foi apontada por indígenas como fundamental para desconstruir estereótipos, ampliar a compreensão da luta política, explicitar a violência e a violação de direitos e, também, para o registro da memória ancestral.
As imagens da última década mais citadas por indígenas e por diversos segmentos de públicos engajados/interessados foram as de manifestações do Acampamento Terra Livre (ATL) e a ocupação de espaços icônicos da capital federal, como a Esplanada dos Ministérios e o Congresso Nacional.
Atos essencialmente visuais, como a mensagem Brasil Terra Indígena escrita com 380 lâmpadas de LED em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), e imagens das mulheres, sobretudo cenas da 1ª Marcha das Mulheres Indígenas, também estiveram entre as mais destacadas por públicos engajados e interessados.
Raoni, em qualquer lugar do planeta; Sônia Guajajara em palanques durante as eleições presidenciais de 2018 e no palco do Rock in Rio; Joênia Wapichana no Congresso Nacional; e os artistas indígenas e suas obras nas principais instituições culturais do país. Essas foram algumas das imagens consideradas mais representativas da última década.
Os entrevistados internacionais também destacaram imagens da participação de indígenas nas conferências climáticas da ONU, da turnê da delegação indígena pela Europa em 2019 e dos encontros de Raoni e Davi Kopenawa com líderes políticos e da sociedade civil.
Imagens do desmatamento e das queimadas na Amazônia estiveram entre as mais citadas por diferentes segmentos e também por entrevistados estrangeiros. “São registros eloquentes de um mundo, compartilhado, que está sendo destruído. A produção de uma iconografia do fim do mundo (...).” As imagens de satélite da Amazônia foram frequentemente citadas como demonstração sobre a importância da realidade dos territórios indígenas.
Imagens do colapso ambiental no Brasil, em particular as da explosão do garimpo em terras indígenas dos Yanomami e dos Munduruku, apareceram bastante entre as respostas. Ainda sobre imagens de resistência e enfrentamento, Belo Monte foi mais uma vez referência.
As imagens de lideranças indígenas assassinadas também foram bastante citadas, suscitando diversas questões sobre como melhor retratar a violência contra os povos indígenas. A morte de Paulino Guajajara, em 2019, foi o caso mais lembrado, por fornecer rostos e histórias às notícias sobre os conflitos em territórios indígenas.
Alguns dos entrevistados interessados e não engajados questionaram o que é possível apreender sobre os conflitos de terra no país a partir das imagens que vêm sendo compartilhadas sobre o assunto. Já alguns dos entrevistados indígenas acham que ainda são muito poucas as imagens geradas por e sobre eles.
Diversas pessoas defenderam a necessidade de ampliar o repertório de imagens sobre a vida, o cotidiano e os modos de existência dos povos tradicionais, para aproximar e diversificar as narrativas visuais atualmente predominantes. “Acho importante valorizar a estética, a beleza, a imponência, porque a gente vê esse tema sempre de um ponto de vista muito triste.”
Os livros de Davi Kopenawa (“A Queda do Céu”) e Ailton Krenak "Ideias para Adiar o Fim do Mundo” foram citados como obras que “formam imagens únicas e inéditas sobre as florestas e sobre as cosmologias dos povos indígenas”.
Os registros do discurso de Ailton Krenak na Assembleia Constituinte e de Tuíra Kayapó encostando um facão no então presidente da Eletronorte foram descritas como “imagens históricas”, “de enorme maestria, originalidade” e “que atravessam o tempo”.
Sebastião Salgado foi bastante lembrado por suas fotos “monumentais” e pelo alcance mundial de seu trabalho, em particular por entrevistados interessados e não engajados, sendo, em alguns casos, a única referência conhecida, ou lembrada.
Para os públicos não engajados, a imagem dos povos indígenas foi mais associada à vulnerabilidade que à força.
“Eu diria que os povos tradicionais, infelizmente, ainda são uma não imagem para uma grande parte da sociedade brasileira.”
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“Em 2015, estimou-se que, a cada dois minutos, eram produzidas mais imagens do que a totalidade das fotos feitas nos últimos 150 anos. Essa era uma estimativa relativamente modesta, considerando-se que, à época, existiam 1 bilhão de dispositivos com câmera (entre os 5 bilhões de celulares ativos), e que cada um deles capturou cerca de três fotos por dia (ou mil por ano). Hoje, já não é possível contar essa produção nem sequer em minutos. Em uma tarde de maio de 2021, mais de mil fotos por segundo foram disponibilizadas no Instagram”, destaca a artista e curadora Giselle Beiguelman no livro “Políticas da imagem – Vigilância e resistência na dadosfera”.
Como detalhado por Giselle no livro, as imagens tornaram-se hoje as principais interfaces de mediação do cotidiano, ocupando lugar central na comunicação e nos principais embates políticos do país.
Os indígenas e os públicos engajados/interessados foram convidados a relembrar as imagens mais icônicas e importantes da última década com e sobre os povos indígenas no Brasil.
A autorrepresentação foi palavra-chave e a produção de imagens apontada pelos indígenas como fundamental para desconstrução de estereótipos, para ampliar a visibilidade e a compreensão da luta política, da violência e dos direitos violados, da diversidade de povos e realidades existentes no país, para a autoafirmação e a autoestima e para o registro e, em alguns casos, para a reativação de rituais em seus territórios ou reconexão com suas ancestralidades, dentro e fora de seus territórios. Não só a produção, mas a circulação dessas imagens entre eles e principalmente pelas redes sociais, sem mediações, e para a aproximação e a sensibilização dos não indígenas – mais em Redes sociais.
Brasil Terra Indígena
As imagens da última década mais citadas por indígenas e por diversos segmentos de públicos engajados/interessados foram as de manifestações do Acampamento Terra Livre (ATL) durante o Abril Indígena e dos indígenas em espaços icônicos da capital política do país, como a Esplanada dos Ministérios e o Congresso Nacional.
Atos essencialmente visuais – como o de ruas de Brasília manchadas com tinta vermelha simbolizando o sangue e o genocídio indígena, ou mais recentemente, Brasil Terra Indígena, mensagem escrita com 380 lâmpadas de LED e velas em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) - e imagens das mulheres, sobretudo cenas da 1ª Marcha das Mulheres Indígenas, fazendo barreiras com seus corpos à repressão policial, Sônia Guajajara segurando a bandeira nacional com sangue indígena e o colorido e a força de Célia Xakriabá, também estiveram entre as mais destacadas por públicos engajados/interessados.
No artigo Corpo Político e Crítica Decolonial: a 1ª Marcha das Mulheres Indígenas, Mariana Wiecko Volkmer de Castilho ressaltou que “fazendo uso de suas imagens valendo-se de uma autorrepresentação, como analisa Noronha (2017), pode-se se afirmar que, na Marcha das Mulheres Indígenas, essas, mediante fotografias e formatos audiovisuais, privilegiaram a comunicação entre elas e a sociedade, buscando produzir discursos e narrativas sobre si mesmas (e/ou sobre o seu grupo) a partir de dentro. A autorrepresentação possui uma característica contra-hegemônica, no sentido de apontar para a pluralidade, questionando estereótipos e discursos que visam homogeneizar as mulheres indígenas. A possibilidade de maior acesso aos meios tecnológicos, responsáveis pela captação de imagens, e de divulgação, através da internet, fornece às mulheres indígenas a oportunidade de produzir discursos e narrativas sobre elas mesmas”.
Uma outra imagem muito lembrada das mulheres indígenas em Brasília, que viralizou nas redes sociais, foi em 2019.
Crédito: Quebrando o Tabu
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Tuíra e Ailton e as imagens que atravessam o tempo
O discurso de Ailton Krenak no Congresso e a foto de Tuíra Kayapó encostando um facão no então presidente da Eletronorte foram lembradas por indígenas e diferentes segmentos de públicos engajados, descritas como imagens históricas, de enorme maestria, originalidade, genuinamente icônicas.
No artigo “Tuíra, a imagem”, publicado no site da Escola de Ativismo, Cássio Martinho afirma que “a fotografia de Tuíra com seu facão em ação sobre a face do Estado evoca tudo o que se espera da luta. A luta continua, decerto, e o tempo congelado a sustenta. A luta é constante, sabemos, mas há um momento, que se anuncia no tremor da bochecha que por enquanto resiste, em que a pressão, a força empregada de forma sutil pela mulher que o confronta, fará o Estado ceder e tombar de lado, sem sangue, sob o peso da precisão, da tenacidade e da astúcia. A imagem de instante decisivo, como essa, realiza um fenômeno de condensação; faz parecer que ‘tudo’ está ali: a história inteira.(...) A foto do facão de Tuíra fez crescer a narrativa de uma luta. Junto, fez nascer um mito. O mito, se sabe, é narrativa”.
Tuíra, em uma entrevista à Amazônia Real em 2020, contou que só queria mostrar a ele o que é opressão. “Estava lá e só ouvia aquele homem branco insistindo em uma fala para construir a hidrelétrica.”
O professor de literatura brasileira na Universidade de Brasília Pedro Mandagará, no texto “A retórica indígena e a narrativa da Constituição”, analisa: “enquanto continua o discurso, no mesmo tom firme e pausado, Ailton Krenak passa a pintar seu rosto de preto, retirando, com os dedos, de uma pequena lata, a tinta pastosa que passa em todo o rosto, sem deixar sequer uma gota cair em seu terno branco e sem nunca interromper o discurso. A manifestação de indignação e luto, anunciada no início, acontece ao mesmo tempo da fala – apesar da preterição, nada foi preterido e ambas ocorrem, potencializando-se mutuamente. A pintura serve uma função argumentativa, demonstrando, pelo exemplo, o tipo de relação com a sociedade nacional que as culturas indígenas podem trazer”.
Legenda: Documentário "Índio Cidadão?", de Rodrigo Siqueira
Crédito: Índio Cidadão?
Marchas globais e a resistência a Belo Monte
Uma parte dos entrevistados destacou também como muito positivas a participação dos indígenas ou imagens de indígenas, performances a favor dos direitos dos povos indígenas em outros protestos. As marchas globais pelo clima foram as mais lembradas, especialmente por entrevistados internacionais, mas muitas outras foram citadas por brasileiros.
Legenda: Protesto do Extinction Rebellion contra a crise climática em Londres
Crédito: Cristiane Fontes
Ainda sobre as imagens de resistência e enfrentamento, Belo Monte apareceu, mais uma vez, como referência, especialmente as imagens de protestos indígenas contra a construção da hidrelétrica.
Ocupando espaços de poder no Brasil e no exterior
Raoni com lideranças globais; Joênia Wapichana sendo empossada no Congresso Nacional; Sônia Guajajara em palanques durante as eleições presidenciais de 2018 e ao lado de celebridades como Alicia Keys, no palco do Rock in Rio, e Leonardo DiCaprio, na cerimônia do Oscar; e os artistas indígenas e suas obras nas principais instituições culturais do país.
Essas foram algumas das imagens consideradas mais icônicas e representativas da última década.“Atualizam e expandem a compreensão do que é ser indígena na contemporaneidade”, “representam os indígenas ocupando espaços de poder antes impensáveis para eles”, “mostram esses povos sendo valorizados e enaltecidos por atores respeitados pela sociedade” e “fogem do senso comum e despertam curiosidade.”
Entrevistados estrangeiros compartilharam o mesmo ponto de vista, ressaltando a crescente presença de indígenas brasileiros nas conferências climáticas da ONU; a turnê de uma delegação indígena pela Europa em 2019; e os encontros de Raoni e Davi Kopenawa com líderes políticos e da sociedade civil como exemplos dessas imagens.
Brasil na iconografia do fim do mundo
O desmatamento e as queimadas na Amazônia foram as imagens mais citadas por diferentes segmentos e também por entrevistados estrangeiros; indígenas na linha de frente combatendo o fogo na floresta foram eventualmente mencionados.
As imagens de satélite, que se tornaram mais acessíveis e passaram a ser muito mais utilizadas e divulgadas não somente pelo governo, mas também por iniciativas da sociedade civil na última década, foram recorrentemente mencionadas.
Apoie os povos indígenas. A demarcação de terras indígenas é uma forma eficiente de conter o desmatamento. Esses povos dependem de um ambiente preservado para manter sua forma de vida. Você não destruiria sua própria casa, certo? pic.twitter.com/9TRYL1xXv6
Alguns dos cientistas entrevistados mencionaram também o que as imagens de satélite têm nos revelado sobre o passado, como o uso das imagens para a identificação de vestígios arqueológicos. Um projeto coordenado pela arqueóloga Denise Schaan (falecida em 2018), por exemplo, que ampliou a cronologia da cultura amazônica dos geoglifos, utilizou imagens gratuitas do Google Earth para localizar novas ocorrências de desenhos.
Assim como a superficialidade da cobertura da imprensa, a saturação de imagens sobre o desmatamento da Amazônia e a falta de contexto com que muitas vezes são apresentadas ao público foram questões levantadas por alguns dos entrevistados.
Para os entrevistados estrangeiros, especialmente os europeus, as imagens do desmatamento e da destruição da floresta vêm ganhando novas camadas e têm sido cada vez mais vinculadas, conectadas, com produtos consumidos pelo Norte Global e pela China, como a carne bovina, e os impactos do avanço da fronteira agropecuária nas florestas e territórios dos povos indígenas e de comunidades locais.
Colapso ambiental, defensores ambientais e Covid-19
Outras imagens de colapso ambiental do Brasil, em particular as de explosão do garimpo em terras indígenas dos Yanomami e dos Munduruku, e dos conflitos fundiários e de crimes ambientais, como os de Mariana e Brumadinho, também apareceram com frequência entre as respostas.
As imagens de lideranças indígenas assassinadas foram bastante citadas, não somente, porém com mais frequência, por entrevistados estrangeiros. A morte do guardião da floresta Paulino Guajajara, da Terra Indígena Araribóia, no Maranhão, em 2019, foi o caso mais lembrado.
O trabalho da Global Witness, que registra e divulga anualmente o número de ativistas ambientais assassinados no mundo, não apenas quantificando, mas nomeando, contando suas histórias, mostrando suas imagens, foi ocasionalmente apresentado como referência e como um material visual que passou a estar disponível apenas nesta última década.
Algumas pessoas, especialmente as interessadas mas não engajadas com o tema, levantaram questões sobre o que a sociedade brasileira é capaz de apreender a respeito de conflitos de terra no país a partir de imagens que vêm sendo (e não) geradas sobre esse assunto.
Um outro conjunto de imagens destacado por indígenas e públicos engajados relacionado a perdas foram as imagens dos indígenas vítimas de Covid-19, assim como registros deles sendo vacinados.
Ainda sobre a pandemia, uma imagem do fotógrafo Joédson Alves, para a agência EFE, uma mulher Yanomami com uma máscara de proteção contra a Covid-19 nas mãos, foi reproduzida em publicações no Brasil e ao redor do mundo e viralizou nas redes sociais, ficando entre as finalistas do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos na categoria fotojornalismo. Após uma reclamação da Hutukara Associação Yanomami e uma longa discussão sobre liberdade de imprensa, ética jornalística e direitos dos povos indígenas, o júri decidiu desqualificar o trabalho.
Na carta enviada ao Instituto Vladimir Herzog, Dário Yanomami afirmou que a “plena cidadania dos indígenas no país passa pela garantia de seus direitos fundamentais, incluindo o direito personalíssimo à imagem”, e que “o registro, veiculação e comercialização da imagem do povo Yanomami sem sua consulta e consentimento acaba por reproduzir estereótipos aos quais não queremos ser identificados”.
Um pouco antes da COP26, a iniciativa Climate Outreach lançou uma série de recomendações para o aperfeiçoamento de práticas visuais de profissionais de produção, edição, distribuição, agências e publicação de conteúdo que desejam trabalhar com imagens de comunidades indígenas da América do Sul e Central. Entre elas, por exemplo, que a produção de conteúdo, a modelagem de narrativas e a distribuição de informações devem permanecer sob o controle indígena, que profissionais de mídia devem se aproximar dos povos indígenas e aprender de suas abordagens próprias para narrativa visual e que produção de conteúdo e de imagem, dentro de comunidades indígenas, deve, sempre que possível, ser compartilhadas de volta com quem participou dela.
Vida cotidiana, subjetividades, modos de vida
Ainda que reconhecendo o trágico momento do país e a importância de denúncias e atos de resistência, diversas pessoas, em particular os comunicadores e profissionais do campo da arte e da cultura, defenderam a necessidade de ampliar o repertório de imagens sobre o dia a dia, sobre a diversidade cultural - não apenas de festas e rituais, mas a vivenciada cotidianamente - e sobre os modos de vida dos povos tradicionais para diversificar as narrativas visuais atualmente predominantes.
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A estética e o alcance de Sebastião Salgado
Sebastião Salgado foi bastante lembrado, celebrado na maioria das vezes, com elogios superlativos às suas fotos e ao alcance de seu trabalho. Críticas, não novas, à linguagem estética do fotógrafo e alguns de seus posicionamentos políticos também foram feitas, ainda que por uma menor parte de entrevistados.
As suas imagens e seu nome foram os únicos lembrados por alguns entrevistados e também foi a única referência citada por representantes do agronegócio.
O consagrado fotógrafo, que foi um dos vencedores do 32° Praemium Imperiale, considerado como o Nobel das Artes, em 2021, é diretor do Instituto Terra, responsável pelo processo de recuperação de mais de 21,1 milhões de m² de áreas degradadas de Mata Atlântica no Médio Rio Doce.
Também em 2021, Sebastião Salgado lançou o livro “Amazônia”, pela editora Taschen, obra que conta com mais de 200 fotografias da “Amazônia viva”, como diz ele, tiradas em diversas expedições à floresta entre 2013 e 2019 e dedicada aos povos indígenas.
Além das fotografias do livro, sete vídeos com testemunhos de lideranças indígenas sobre a importância da Amazônia e os problemas enfrentados hoje em sua sobrevivência na floresta compõem a exposição, que depois de passar por cidades europeias, chegou ao Brasil. “Esta exposição tem o objetivo de alimentar o debate sobre o futuro da floresta amazônica. É algo que deve ser feito com a participação de todos no planeta, junto com as organizações indígenas”, afirmou Sebastião Salgado em uma entrevista ao RG.
Para Sebastião Salgado, o conjunto de reportagens de expedições para a Amazônia publicadas pela Folha de São Paulo, com fotos suas, foi a maior cobertura que já se fez sobre as comunidades indígenas do Brasil. “Foi colossal", disse ele durante conversa com o colunista do UOL Jamil Chade e o jornalista Leão Serva, que o acompanhou nas expedições.
Crédito: UOL
Tecnologia, isolados, adornos e autoria das fotos
Um número bem menor de entrevistados, em particular os doadores internacionais, destacou com interesse e curiosidade imagens de indígenas fazendo uso de tecnologia para a proteção de seus territórios, ou o uso de tecnologia em manifestações políticas. Houve também aqueles que destacaram imagens de intervenções em monumentos históricos.
Os entrevistados internacionais foram os que mais citaram o apelo e o interesse por imagens de indígenas com trajes e adornos.
Para alguns entrevistados, as imagens que mais circulam ainda tendem a ser bastante estereotipadas, redutoras, desatualizadas, assim como são poucas, pouco conhecidas e pouco valorizadas as imagens de fotógrafos/autorias indígenas. Como contraponto, mencionaram a profusão de imagens e perfis indígenas hoje disponíveis nas Redes Sociais – mais em redes sociais.
“Há um entendimento de que as imagens que vêm sendo produzidas criam uma rede de forças, permitem uma articulação política, na qual os jovens têm um papel fundamental”, afirmou em uma entrevista a antropóloga Aline Moschen, autora de Ta'angaba: conversas sobre imagens e fotografias indígenas no Espírito Santo.
Kamikia Kisedje, do povo Kisêdjê, da Terra Indígena Wawi (MT), e Edgar Kanaykõ, do povo Xakriabá, da Terra Indígena Xakriabá (MG), são dois fotógrafos indígenas que costumam descrever a fotografia e o audiovisual como “ferramenta de luta” para os povos indígenas.
Kamikia, que se define como “comunicador da floresta”, “repórter indígena”, “cine jornalista”, se formou no projeto “Vídeo nas Aldeias” e, desde 2000, acompanha e registra os povos indígenas do Xingu e os impactos da expansão da produção agropecuária na região. Também vem cobrindo o ATL desde 2012, como colaborador da Apib.
Edgar Kanaykõ é mestre em Antropologia pela UFMG com a tese “Etnovisão: o olhar indígena que atravessa a lente”, que traz reflexões sobre a etnofotografia, que é diferente do não indígena porque, para os indígenas, a fotografia tem também uma relação com o mundo espiritual e o sagrado. Edgar Kanaykõ foi contemplado com o primeiro lugar no Prêmio de Fotografia – Ciência & Arte, concedido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Edgar concorreu com a obra “Iny: o brilho dos espíritos”, classificada em primeiro lugar entre 607 trabalhos apresentados.
Imagens por e pró-Bolsonaro e indígenas como não imagem
As imagens geradas pelo governo Bolsonaro e aquelas em apoio ao seu governo não ficaram de fora nas respostas dos entrevistados.
Em Sinop, no Mato Grosso, a instalação de outdoors críticos à gestão do presidente Jair Bolsonaro foi impedida devido à pressão e ameaças de apoiadores do governo.
Para os públicos não engajados, a imagem de povos indígenas foi mais associada à vulnerabilidade que à força. Foi quase consenso entre os entrevistados reconhecer que, sob o governo do atual presidente da República, o ataque aos povos indígenas aumentou ainda mais. Como resultado disso, muitos projetam um futuro negativo para os povos indígenas, de “assimilação cultural” e até de “extermínio” – mais em Imagens icônicas e Públicos não engajados.