Imagens Icônicas

Capítulo 5

Imagens icônicas

pra você que tá sem tempo...

A autorrepresentação foi palavra-chave. “O que tem de mais bonito é a produção múltipla de imagens e delas serem registradas por quem está à frente da luta.” A produção de imagens foi apontada por indígenas como fundamental para desconstruir estereótipos, ampliar a compreensão da luta política, explicitar a violência e a violação de direitos e, também, para o registro da memória ancestral. 

As imagens da última década mais citadas por indígenas e por diversos segmentos de públicos engajados/interessados foram as de manifestações do Acampamento Terra Livre (ATL) e a ocupação de espaços icônicos da capital federal, como a Esplanada dos Ministérios e o Congresso Nacional.

Atos essencialmente visuais, como a mensagem Brasil Terra Indígena escrita com 380 lâmpadas de LED em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), e imagens das mulheres, sobretudo cenas da 1ª Marcha das Mulheres Indígenas, também estiveram entre as mais destacadas por públicos engajados e interessados. 

Raoni, em qualquer lugar do planeta; Sônia Guajajara em palanques durante as eleições presidenciais de 2018 e no palco do Rock in Rio; Joênia Wapichana no Congresso Nacional; e os artistas indígenas e suas obras nas principais instituições culturais do país. Essas foram algumas das imagens consideradas mais representativas da última década.

Os entrevistados internacionais também destacaram imagens da participação de indígenas nas conferências climáticas da ONU, da turnê da delegação indígena pela Europa em 2019 e dos encontros de Raoni e Davi Kopenawa com líderes políticos e da sociedade civil. 

Imagens do desmatamento e das queimadas na Amazônia estiveram entre as mais citadas por diferentes segmentos e também por entrevistados estrangeiros. “São registros eloquentes de um mundo, compartilhado, que está sendo destruído. A produção de uma iconografia do fim do mundo (...).” As imagens de satélite da Amazônia foram frequentemente citadas como demonstração sobre a importância da realidade dos territórios indígenas. 

Imagens do colapso ambiental no Brasil, em particular as da explosão do garimpo em terras indígenas dos Yanomami e dos Munduruku, apareceram bastante entre as respostas. Ainda sobre imagens de resistência e enfrentamento, Belo Monte foi mais uma vez referência. 

As imagens de lideranças indígenas assassinadas também foram bastante citadas, suscitando diversas questões sobre como melhor retratar a violência contra os povos indígenas. A morte de Paulino Guajajara, em 2019, foi o caso mais lembrado, por fornecer rostos e histórias às notícias sobre os conflitos em territórios indígenas. 

Alguns dos entrevistados interessados e não engajados questionaram o que é possível apreender sobre os conflitos de terra no país a partir das imagens que vêm sendo compartilhadas sobre o assunto. Já alguns dos entrevistados indígenas acham que ainda são muito poucas as imagens geradas por e sobre eles. 

Diversas pessoas defenderam a necessidade de ampliar o repertório de imagens sobre a vida, o cotidiano e os modos de existência dos povos tradicionais, para aproximar e diversificar as narrativas visuais atualmente predominantes. “Acho importante valorizar a estética, a beleza, a imponência, porque a gente vê esse tema sempre de um ponto de vista muito triste.”

Os livros de Davi Kopenawa (“A Queda do Céu”) e Ailton Krenak "Ideias para Adiar o Fim do Mundo” foram citados como obras que “formam imagens únicas e inéditas sobre as florestas e sobre as cosmologias dos povos indígenas”.

Os registros do discurso de Ailton Krenak na Assembleia Constituinte e de Tuíra Kayapó encostando um facão no então presidente da Eletronorte foram descritas como “imagens históricas”, “de enorme maestria, originalidade” e “que atravessam o tempo”. 

Sebastião Salgado foi bastante lembrado por suas fotos “monumentais” e pelo alcance mundial de seu trabalho, em particular por entrevistados interessados e não engajados, sendo, em alguns casos, a única referência conhecida, ou lembrada. 

Para os públicos não engajados, a imagem dos povos indígenas foi mais associada à vulnerabilidade que à força. 

“Eu diria que os povos tradicionais, infelizmente, ainda são uma não imagem para uma grande parte da sociedade brasileira.” 

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“Em 2015, estimou-se que, a cada dois minutos, eram produzidas mais imagens do que a totalidade das fotos feitas nos últimos 150 anos. Essa era uma estimativa relativamente modesta, considerando-se que, à época, existiam 1 bilhão de dispositivos com câmera (entre os 5 bilhões de celulares ativos), e que cada um deles capturou cerca de três fotos por dia (ou mil por ano). Hoje, já não é possível contar essa produção nem sequer em minutos. Em uma tarde de maio de 2021, mais de mil fotos por segundo foram disponibilizadas no Instagram”, destaca a artista e curadora Giselle Beiguelman no livro “Políticas da imagem – Vigilância e resistência na dadosfera”

Como detalhado por Giselle no livro, as imagens tornaram-se hoje as principais interfaces de mediação do cotidiano, ocupando lugar central na comunicação e nos principais embates políticos do país.

Os indígenas e os públicos engajados/interessados foram convidados a relembrar as imagens mais icônicas e importantes da última década com e sobre os povos indígenas no Brasil.

A autorrepresentação foi palavra-chave e a produção de imagens apontada pelos indígenas como fundamental para desconstrução de estereótipos, para ampliar a visibilidade e a compreensão da luta política, da violência e dos direitos violados, da diversidade de povos e realidades existentes no país, para a autoafirmação e a autoestima e para o registro e, em alguns casos, para a reativação de rituais em seus territórios ou reconexão com suas ancestralidades, dentro e fora de seus territórios. Não só a produção, mas a circulação dessas imagens entre eles e principalmente pelas redes sociais, sem mediações, e para a aproximação e a sensibilização dos não indígenas – mais em Redes sociais.

“É difícil singularizar uma coisa. Acho que o que tem de mais bonito é a produção múltipla de imagens e delas serem registradas, hoje, por quem está à frente da luta. É muito emocionante ver uma geração começando a construir uma nova história visual dos povos indígenas, a partir de um outro ponto de vista.”
(Curador)

Brasil Terra Indígena

As imagens da última década mais citadas por indígenas e por diversos segmentos de públicos engajados/interessados foram as de manifestações do Acampamento Terra Livre (ATL) durante o Abril Indígena e dos indígenas em espaços icônicos da capital política do país, como a Esplanada dos Ministérios e o Congresso Nacional.

Legenda: Mobilização Nacional Indígena Luta pela Vida
Crédito: Apib
“Acho que muito dessas imagens dos acampamentos, das marchas, são as imagens que vão ficar.”
(Comunicadora indígena)
"A batalha de signos, da ocupação simbólica de territórios políticos, mobilizada por etnias diversas, motivações diversas, especialmente na Esplanada e no Congresso, são o que temos de mais importante."
(Jornalista)
“As principais imagens são do Acampamento Terra Livre, de indígenas erguendo o punho, em inúmeros atos performances, enfrentando a polícia em Brasília, enfrentando corporalmente toda aquela hostilidade do Estado. O ATL, pra mim, é um grande laboratório de imagens.”
(Artista)
“Há uma imagem icônica do ATL, quando tiveram aquelas bombas de gás lacrimogêneo e os índios reagiram com flechas. Tem um indígena que reproduz aquela cena de uma famosa gravura de Debret, se eu não me engano. Não conheço nenhum índio que faça atualmente esse negócio. O cara viu a representação e resolveu emular aquilo ali no meio de um protesto em Brasília. Não dá para saber o que é original, o que é autêntico, o que é mimetismo. Acho que aquela cena é muito forte.”
(Antropólogo)
“As imagens do ATL e das marchas no Congresso, com uma linha de povos indígenas com a polícia atrás são imagens que remetem à tônica do movimento, que é o enfrentamento e a resistência.”
(Assessor de Comunicação)
Crédito: Mídia Ninja
Crédito: Mídia Ninja/figcaption>
Crédito: Mídia Ninja
Crédito: Mídia Ninja
Crédito: Mídia Ninja
Crédito: Mídia Ninja
Crédito: Mídia Ninja
“Quando a luta indígena aparece do ponto de vista coletivo, de forma tão imagética, ela ganha um novo lugar no nosso imaginário. Nos últimos anos, as maiores movimentações políticas em Brasília foram feitas por indígenas, com imagens que circularam amplamente nas redes. Isso é uma coisa surpreendente. Quem imaginaria isso há mais de dez anos, o movimento indígena no centro da resistência política nacional?”
(Antropóloga)
“Acompanho e registro o ATL há algum tempo. Esse é um momento do movimento indígena que marca muito. As imagens refletem o que essas lutas significam para nós. Eu procuro mostrar isso nas minhas imagens, porque tem um emaranhado de um tanto de coisas, um tanto de relações ali. Estar nesse espaço é praticamente estar em um ritual de guerra. Se no passado os inimigos eram outros parentes indígenas, agora os inimigos são os brancos capitalistas, o governo e a galera do agronegócio.”
(Fotógrafo indígena)
Crédito: Edgar Kanayako

Atos essencialmente visuais – como o de ruas de Brasília manchadas com tinta vermelha simbolizando o sangue e o genocídio indígena, ou mais recentemente, Brasil Terra Indígena, mensagem escrita com 380 lâmpadas de LED e velas em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) - e imagens das mulheres, sobretudo cenas da 1ª Marcha das Mulheres Indígenas, fazendo barreiras com seus corpos à repressão policial, Sônia Guajajara segurando a bandeira nacional com sangue indígena e o colorido e a força de Célia Xakriabá, também estiveram entre as mais destacadas por públicos engajados/interessados.

No artigo Corpo Político e Crítica Decolonial: a 1ª Marcha das Mulheres Indígenas, Mariana Wiecko Volkmer de Castilho ressaltou que “fazendo uso de suas imagens valendo-se de uma autorrepresentação, como analisa  Noronha (2017), pode-se se afirmar que, na Marcha das Mulheres Indígenas, essas, mediante fotografias e formatos audiovisuais, privilegiaram a comunicação entre elas e a sociedade, buscando produzir discursos e narrativas sobre si mesmas (e/ou sobre o seu grupo) a partir de dentro. A autorrepresentação possui uma característica contra-hegemônica, no sentido de apontar para a pluralidade, questionando estereótipos e discursos que visam homogeneizar as mulheres indígenas. A possibilidade de maior acesso aos meios tecnológicos, responsáveis pela captação de imagens, e de divulgação, através da internet, fornece às mulheres indígenas a oportunidade de produzir discursos e narrativas sobre elas mesmas”.

“No ATL de 2013, houve uma briga com a polícia. Tem uma imagem do Piracumã Yawalapiti, uma liderança do Alto Xingu, pedindo calma para a polícia depois de ter sido agredido com cassetetes e spray de pimenta. O Piracumã faleceu em 2016. No ATL de 2017, a filha dele, Ana Terra Yawalapiti, quase repetiu a mesma cena. Não sei se você já viu essa foto. É uma imagem dela pintada, com os braços abertos e o peito nu em frente a um cordão policial.”
(ONG nacional)
Legenda: Ana Terra Yawalapiti fazendo frente a um cordão policial durante o 14º Acampamento Terra Livre, em frente ao Congresso Nacional, em Brasília (DF)
Crédito: Matheus Alves<
“Aquela indígena mulher segurando a tropa de choque no protesto em Brasília de alguma forma se assemelha à imagem da Tuíra com o facão décadas atrás. É uma imagem que reforça, que traduz de forma contundente e comovente a força da liderança feminina.”
(Cineasta)
“A imagem da Ana Terra Yawalapiti, do Alto Xingu, parada sozinha no meio de um monte de policiais, com os escudos. Essa imagem fala muito de como a nossa cultura não apenas não escuta, mas agride e é desrespeitosa com os povos indígenas. Por outro lado, você vê como eles são fortes, como eles resistem.”
(ONG nacional)
“Tem uma agora que eu me lembro, que eu utilizo em sala de aula, pensando em como a gente vem construindo midiaticamente a figura dos indígenas no Brasil, que é aquela mulher que está com o filho e atrás dela está uma tropa de choque. Quando a gente pensa em modernidade, geralmente pensa em aspectos mais positivos, como o conforto, o acesso a uma série de coisas que passaram a ser oferecidas nesse período histórico. E essas imagens mostram que a modernidade, no Brasil, ainda convive com algo como a disputa por terra. Acho também que, durante muito tempo, por meio do aparato midiático, da publicidade, das novelas, do cinema, consumimos imagens muito dóceis sobre situações muito violentas do país.”
(Comunicóloga)
“As imagens da Célia Xakriabá no ATL e não só no ATL, sem dúvida. Ela é maravilhosa sempre. Tanto sua imagem física, quanto sua oralidade.”
(Liderança indígena)
Legenda: 1ª Marcha das Mulheres Indígenas em Brasília (DF)
Crédito: Douglas Freitas / @alassderivas

Uma outra imagem muito lembrada das mulheres indígenas em Brasília, que viralizou nas redes sociais, foi em 2019.

“Tem um vídeo da Alessandra Munduruku no Parlamento, um que ela perde a paciência, bate o punho na mesa, que é sensacional.”
(Doadora internacional)
“Tem uma cena que agora está me escapando o contexto, em que a Alessandra Munduruku tem uma discussão muito forte, muito violenta numa reunião. Aquilo me marcou. Você via que ela chegou ao limite.”
(Antropóloga)

Crédito: Quebrando o Tabu

subcapítulo

Tuíra e Ailton e as imagens que atravessam o tempo

O discurso de Ailton Krenak no Congresso e a foto de Tuíra Kayapó encostando um facão no então presidente da Eletronorte foram lembradas por indígenas e diferentes segmentos de públicos engajados, descritas como imagens históricas, de enorme maestria, originalidade, genuinamente icônicas.

“As imagens icônicas são do Ailton Krenak pintando o rosto de preto na Assembleia Constituinte e da índia encostando o facão na cara do presidente da Eletrobrás. No caso da índia é até uma imagem com certa agressividade. Mas aquilo ali era um ato de guerra, né? E aí é que tá. Você precisa entender a cultura indígena para entender o ato da Tuíra.”
(Jornalista)
“Aquela imagem da Tuíra acontece num momento muito propício. Os movimentos ecológicos estavam começando a aparecer, era evidente o vínculo entre questões sociais e ambientais. O PT estava se fortalecendo como parte do movimento para a volta da democracia, com forte ligação naquele momento com movimentos ecológicos, e tinha uma coisa ali de uma confluência que colocava a questão indígena muito no holofote.”
(Filósofa)
“A imagem da mulher indígena segurando a tropa de choque hoje de certa forma tem correspondência com a imagem da Tuíra com o facão de décadas atrás. A imagem da Tuíra sempre que reaparece fortalece a ideia da liderança feminina, da liderança Kayapó, de uma liderança que não se curva.”
(Cineasta)

No artigo “Tuíra, a imagem”, publicado no site da Escola de Ativismo, Cássio Martinho afirma que “a fotografia de Tuíra com seu facão em ação sobre a face do Estado evoca tudo o que se espera da luta. A luta continua, decerto, e o tempo congelado a sustenta. A luta é constante, sabemos, mas há um momento, que se anuncia no tremor da bochecha que por enquanto resiste, em que a pressão, a força empregada de forma sutil pela mulher que o confronta, fará o Estado ceder e tombar de lado, sem sangue, sob o peso da precisão, da tenacidade e da astúcia. A imagem de instante decisivo, como essa, realiza um fenômeno de condensação; faz parecer que ‘tudo’ está ali: a história inteira.(...) A foto do facão de Tuíra fez crescer a narrativa de uma luta. Junto, fez nascer um mito. O mito, se sabe, é narrativa”.

Crédito: Escola de Ativismo

Tuíra, em uma entrevista à Amazônia Real em 2020, contou que só queria mostrar a ele o que é opressão. “Estava lá e só ouvia aquele homem branco insistindo em uma fala para construir a hidrelétrica.”

O professor de literatura brasileira na Universidade de Brasília Pedro Mandagará, no texto “A retórica indígena e a narrativa da Constituição”, analisa: “enquanto continua o discurso, no mesmo tom firme e pausado, Ailton Krenak passa a pintar seu rosto de preto, retirando, com os dedos, de uma pequena lata, a tinta pastosa que passa em todo o rosto, sem deixar sequer uma gota cair em seu terno branco e sem nunca interromper o discurso. A manifestação de indignação e luto, anunciada no início, acontece ao mesmo tempo da fala – apesar da preterição, nada foi preterido e ambas ocorrem, potencializando-se mutuamente. A pintura serve uma função argumentativa, demonstrando, pelo exemplo, o tipo de relação com a sociedade nacional que as culturas indígenas podem trazer”.

Legenda: Documentário "Índio Cidadão?", de Rodrigo Siqueira

Crédito: Índio Cidadão?

“Quando você faz essa pergunta e eu fecho os olhos, a primeira coisa que eu me lembro, que mais me tocou profundamente, foi o discurso do Ailton lá no Congresso. É de chorar o drama que está condensado naquela imagem.”
(Curador)
“Ailton em 1987 – faz mais de 30 anos – mas ainda está por vir algo assim.”
(Cineasta)
“Muita coisa foi sintetizada naquele momento, na maestria e na sensibilidade de Ailton. Muita coisa se abriu depois disso. O discurso de Ailton na Constituinte foi identificado por Jaider Esbell como um dos marcos inaugurais da Arte Indígena Contemporânea, no sentido do reconhecimento midiático dela, não que não existisse antes. Mas o gesto do Ailton faz com que isso seja conhecido de maneira mais ampla. Ailton produziu naquele dia, de uma luta política que se traduz em imagens, que se traduz em alguma coisa que talvez possamos chamar de performance.”
(Curadora)
“A imagem do Ailton circulando novamente hoje coloca pra gente a dimensão da Constituição.”
(Cientista)

Marchas globais e a resistência a Belo Monte

Uma parte dos entrevistados destacou também como muito positivas a participação dos indígenas ou imagens de indígenas, performances a favor dos direitos dos povos indígenas em outros protestos. As marchas globais pelo clima foram as mais lembradas, especialmente por entrevistados internacionais, mas muitas outras foram citadas por brasileiros.

“A foto da abertura da Copa, em que dois, três jovens indígenas participaram com uma faixa pedindo demarcação e o fim do genocídio, também tem que estar entre as imagens icônicas.”
(Ativista)
“Nos últimos anos, a luta política do movimento indígena tem sido traduzida em imagens e não só aquelas do Abril Vermelho, mas durante outras ocupações das ruas, essas novas formas de protesto, no Brasil e no mundo, que vêm ganhando espaços, como as do Extinction Rebellion.”
(Empreendedor socioambiental)
“Eu me lembro das marchas globais pelo clima, de uma marcha na Semana do Clima em Nova York, com várias pessoas segurando uma faixa enorme na qual estava escrita ‘rebelião na floresta’. Eram muitos jovens, de vários países da América Latina, Guiana, Brasil, Bolívia, muitas mulheres. Um colorido e uma beleza espetacular na diversidade presente ali.”
(Doador internacional)
“As imagens que a sociedade civil e as comunidades indígenas geram nas COP, aqueles cartazes coloridos com frases com mensagens simples, mas que sintetizam décadas de trabalho e que informam pelo poder de sua simplicidade, acho que são imagens icônicas e das melhores. É um mecanismo que envolve engajar as pessoas pelo uso da metáfora, e a arte tem um papel meio intrínseco a todo esse processo, né?”
(ONG internacional)

Legenda: Protesto do Extinction Rebellion contra a crise climática em Londres

Crédito: Cristiane Fontes

Ainda sobre as imagens de resistência e enfrentamento, Belo Monte apareceu, mais uma vez, como referência, especialmente as imagens de protestos indígenas contra a construção da hidrelétrica.

“As imagens das mobilizações sobre Belo Monte acho que foram realmente grandes marcos. Tem umas fotos que eu uso sempre em apresentação que são as pessoas formando a palavra Belo Monte vista de cima.”
(Filósofa)
“As imagens dos Munduruku ocupando Belo Monte, indo visitar a hidrelétrica de São Manoel já construída e olhando para a barragem são muito fortes. A barragem foi construída em cima de um local sagrado para eles. É dessa série uma foto em que eles seguram uma faixa que diz: 'Nós somos feitos do sagrado'."
(Cientista)
“A resistência indígena em Belo Monte também gerou manifestações e imagens contrárias à hidrelétrica em grandes cidades, levando o problema a ser conhecido além dos protestos de Brasília, e o artivismo para as paredes de São Paulo.”
(Jornalista indígena)
“Ah, não tem como não ter a imagem de Dilma sobrevoando Belo Monte e dizendo que aquilo é o legado dela, né?”
(Ativista)
Créditos: Greenpeace
Créditos: Xingu Vivo
Créditos: Agência Brasil
Créditos: Amazon Watch
Créditos: Xingu Vivo

Ocupando espaços de poder no Brasil e no exterior

Raoni com lideranças globais; Joênia Wapichana sendo empossada no Congresso Nacional; Sônia Guajajara em palanques durante as eleições presidenciais de 2018 e ao lado de celebridades como Alicia Keys, no palco do Rock in Rio, e Leonardo DiCaprio, na cerimônia do Oscar; e os artistas indígenas e suas obras nas principais instituições culturais do país.

Essas foram algumas das imagens consideradas mais icônicas e representativas da última década.“Atualizam e expandem a compreensão do que é ser indígena na contemporaneidade”, “representam os indígenas ocupando espaços de poder antes impensáveis para eles”, “mostram esses povos sendo valorizados e enaltecidos por atores respeitados pela sociedade” e “fogem do senso comum e despertam curiosidade.”

“Acho que qualquer imagem do Raoni, em qualquer lugar do planeta, com ou sem líderes globais, é uma imagem muito forte, por sua longevidade, por sua postura. E diante de várias culturas, há enorme respeito, consideração por ele.”
(Editora)
“Da minha memória, o que vem é a figura de Sônia Guajajara na campanha eleitoral, aquele feito inédito de uma mulher indígena disputando à vice-presidência da República.”
(Ativista)
“Acho que imagens de arquivo como a de Joênia paramentada no Supremo, defendendo a Raposa Serra do Sol, que não fez muito sucesso na época do julgamento e apareceu bastante quando ela foi eleita, é uma imagem bem icônica de uma indígena defendendo o seu povo. Acho que foi muito importante para a autoestima dos indígenas, inclusive.”
(Jornalista)
Créditos: Senado Federal
Créditos: Mídia Ninja
Créditos: Mídia Ninja
“A gente tem intelectuais, artistas, políticos e ativistas indígenas cada vez mais ocupando espaços nos quais as imagens eram geradas a despeito deles próprios. Hoje, são eles que estão adentrando os grandes museus como o Museu de Arte de São Paulo (MASP), Pinacoteca de São Paulo, e o Supremo Tribunal Federal (STF).”
(Curador)

Entrevistados estrangeiros compartilharam o mesmo ponto de vista, ressaltando a crescente presença de indígenas brasileiros nas conferências climáticas da ONU; a turnê de uma delegação indígena pela Europa em 2019; e os encontros de Raoni e Davi Kopenawa com líderes políticos e da sociedade civil como exemplos dessas imagens.

“Quando tivemos a grande delegação indígena na Noruega uns dois ou três anos atrás. Essa foi uma grande imagem, tendo um grupo de representantes indígenas reunidos com parlamentares noruegueses.”
(Doador internacional)
Legenda: Jornada Sangue Indígena Nenhuma Gota a Mais
Crédito: Mídia Ninja

Brasil na iconografia do fim do mundo

O desmatamento e as queimadas na Amazônia foram as imagens mais citadas por diferentes segmentos e também por entrevistados estrangeiros; indígenas na linha de frente combatendo o fogo na floresta foram eventualmente mencionados.

“As imagens de desmatamento e de fogo nesses últimos tempos têm passado essa mensagem da emergência que estamos vivendo.”
(Liderança indígena)
“Essas imagens que partem do dossel da floresta e vão mostrando áreas gigantescas desmatadas, centenas de milhas até se perder no horizonte. Eu não sei se elas têm esse mesmo efeito em todo mundo, mas eu realmente acho essas imagens absolutamente devastadoras.”
(Comunicador internacional)
“As imagens mais icônicas de todas são os próprios incêndios na floresta, desses picos de queimada na Amazônia. Essas são imagens eloquentes de um mundo, compartilhado, que está sendo destruído. A produção de uma iconografia do fim do mundo, que não está no futuro, mas está acontecendo hoje.”
(Curador)
“As grandes imagens são as de desmatamento e de queimada. Essas imagens conseguiram ultrapassar as barreiras todas e hoje são imagens que a mídia convencional mostra o tempo todo.”
(Cientista político)
Legenda: Imagens aéreas de queimadas próxima à Flona do Jacundá, em Rondônia
Crédito: Bruno Kelly /Amazônia Real
Legenda: Imagens aéreas de queimadas próxima à Flona do Jacundá, em Rondônia
Crédito: Bruno Kelly /Amazônia Real
Legenda: Imagens aéreas de queimadas próxima à Flona do Jacundá, em Rondônia
Crédito: Bruno Kelly /Amazônia Real
Legenda: Imagens aéreas de queimadas próxima à Flona do Jacundá, em Rondônia
Crédito: Bruno Kelly /Amazônia Real
“Em comparação há 20 anos, certamente melhorou muito a compreensão junto a uma parcela da população brasileira letrada e nas grandes cidades. Ou seja, aquela imagem contrastante da Amazônia, terra indígena de um lado e uma área destruída do outro, acho que já está um pouco no inconsciente de muitas pessoas.”
(ONG nacional)

As imagens de satélite, que se tornaram mais acessíveis e passaram a ser muito mais utilizadas e divulgadas não somente pelo governo, mas também por iniciativas da sociedade civil na última década, foram recorrentemente mencionadas.

“Você vê na foto de satélite, aquelas do Inpe, o que é evidente: onde tem índio são as áreas mais verdes.”
(Jurista)
“A figura mais emblemática, em termos de imagem, é você olhar aquelas imagens de satélite do Xingu, a terra indígena do Xingu, que é aquele único pedaço de verde, circundado por área toda convertida. Aquilo é bem emblemático.”
(Cientista)
“Basta tirar uma foto aérea do Parque Indígena do Xingu e ver o quanto a preservação e conservação da floresta é feita pelos povos indígenas.”
(Jornalista)

Alguns dos cientistas entrevistados mencionaram também o que as imagens de satélite têm nos revelado sobre o passado, como o uso das imagens para a identificação de vestígios arqueológicos. Um projeto coordenado pela arqueóloga Denise Schaan (falecida em 2018), por exemplo, que ampliou a cronologia da cultura amazônica dos geoglifos, utilizou imagens gratuitas do Google Earth para localizar novas ocorrências de desenhos. 

Assim como a superficialidade da cobertura da imprensa, a saturação de imagens sobre o desmatamento da Amazônia e a falta de contexto com que muitas vezes são apresentadas ao público foram questões levantadas por alguns dos entrevistados. 

“As queimadas são o resultado de uma política desastrosa, e elas encobrem muitos outros problemas. Elas continuarão a existir, mas precisam ser melhor desvendadas e o problema, humanizado, além das imagens da floresta em chamas.”
(Jornalista)
“Há uma espécie de abismo de informação. Estou exagerando, mas diria que fora da Amazônia os brasileiros ainda acham que a região é como uma grande floresta, que todos os povos indígenas vivem numa selva remota. E um grande desafio e necessidade urgente é colocar isso em questão com imagens. Hoje, quando veem representantes indígenas na atualidade, eles podem ser vistos como ilegítimos, pois não correspondem aos estereótipos.”
(Cientista)

Para os entrevistados estrangeiros, especialmente os europeus, as imagens do desmatamento e da destruição da floresta vêm ganhando novas camadas e têm sido cada vez mais vinculadas, conectadas, com produtos consumidos pelo Norte Global e pela China, como a carne bovina, e os impactos do avanço da fronteira agropecuária nas florestas e territórios dos povos indígenas e de comunidades locais.

Crédito: Bloomberg
“As imagens dos incêndios na Amazônia enquadram perfeitamente o debate porque é exatamente onde nossos padrões de consumo encontram com todas as complexidades associadas com a conservação da floresta. Quais são os motivos que levam as pessoas e os indivíduos a queimar florestas para pastar o gado? Eles são sempre nefastos? Qual é a influência da desigualdade nisso? E qual é o nosso impacto como consumidores nas florestas, na biodiversidade e nos povos indígenas?”
(ONG internacional)

Colapso ambiental, defensores ambientais e Covid-19

Outras imagens de colapso ambiental do Brasil, em particular as de explosão do garimpo em terras indígenas dos Yanomami e dos Munduruku, e dos conflitos fundiários e de crimes ambientais, como os de Mariana e Brumadinho, também apareceram com frequência entre as respostas.

“As imagens aéreas de terras indígenas, tanto o desmatamento quanto a destruição de território pelo garimpo, aqueles buracos no solo, aquilo é absolutamente assustador.”
(Jornalista)
“A gente tem visto muitas imagens das terras Yanomami, dos Munduruku e dos Kayapó sobre toda essa invasão, sobretudo do garimpo e, agora, do garimpo armado. É tudo muito chocante.”
(Cineasta)

As imagens de lideranças indígenas assassinadas foram bastante citadas, não somente, porém com mais frequência, por entrevistados estrangeiros. A morte do guardião da floresta Paulino Guajajara, da Terra Indígena Araribóia, no Maranhão, em 2019, foi o caso mais lembrado.

"Às vezes, ficamos sabendo sobre conflitos nos territórios, mas é como se esses lugares não tivessem pessoas, rostos, histórias. A escolha da imagem de Paulino que foi mostrada após a morte dele foi muito acertada.”
(Jurista)
“A fotografia do Paulino Guajajara olhando pra câmera, com pintura corporal, você se lembra? É uma imagem que tem tanta força. Talvez a sociedade brasileira devesse se confrontar mais com imagens difíceis, imagens da violência contra esses povos. Mas eu sinto que mostrar a violência, o sangue, o machucado, um corpo sem vida, pode ter um efeito indesejado de afastar ainda mais as pessoas. Como mostrar a violência de modo inteligente para comunicar o que aconteceu? Quando você vai fazer um texto, não adianta mostrar todos os detalhes. A outra questão, não menos importante, é a questão da dignidade, acho negativo expor o tempo todo corpos negros, corpos indígenas, corpos de trabalhadores rurais que comumente estão associados a imagens de violência. Prefiro usar imagens que a pessoa está digna, numa posição de força.”
(Jornalista)
“Aquela imagem do Paulino é terrível, mexeu muito comigo, no sentido de perceber que precisava aprender mais e usar do espaço que tenho para falar mais sobre esses assuntos.”
(Cientista política)
Crédito: Mídia Ninja
Crédito: Mídia Ninja
Crédito: Mídia Ninja
Crédito: Mídia Ninja
Crédito: Mídia Ninja
“A imagem dos Ka'apor cercando e expulsando um grupo de madeireiros da terra deles, essa imagem circulou muito. Depois eu vi várias outras cenas como essa que remetiam a mesma situação, eles defendendo seus territórios, numa postura de ataque.”
(ONG internacional)
“As imagens de ataques aos territórios indígenas, indígenas assassinados, deitados no chão, mortos. São imagens trágicas, mas as imagens dos assassinatos de lideranças devem ser feitas com veracidade e não serem censuradas e nem desfocadas, porque essa é a realidade que os indígenas enfrentam e eles não podem ficar calados.”
(Ativista internacional)

O trabalho da Global Witness, que registra e divulga anualmente o número de ativistas ambientais assassinados no mundo, não apenas quantificando, mas nomeando, contando suas histórias, mostrando suas imagens, foi ocasionalmente apresentado como referência e como um material visual que passou a estar disponível apenas nesta última década. 

Algumas pessoas, especialmente as interessadas mas não engajadas com o tema, levantaram questões sobre o que a sociedade brasileira é capaz de apreender a respeito de conflitos de terra no país a partir de imagens que vêm sendo (e não) geradas sobre esse assunto.

“Não acho que estejamos criando imagens icônicas sobre esses assuntos. Muito da disputa fundiária nas fronteiras é mal documentada. Não é algo fácil, claro, mas quando há imagens, elas tendem a ser confusas, pobres, incompletas. Não simbolizam o que está acontecendo.”
(Ativista)

Um outro conjunto de imagens destacado por indígenas e públicos engajados relacionado a perdas foram as imagens dos indígenas vítimas de Covid-19, assim como registros deles sendo vacinados.

“As diversas mortes de pessoas indígenas por Covid-19 é uma outra imagem para lá de icônica. Elas demonstram que essas populações acabam sendo sempre, junto com as populações negras e periféricas, as mais fragilizadas num contexto como esse.”
(Antropólogo)
“Tanta morte, em toda parte. O que aconteceu em Manaus foi de partir o coração."
(Doadora internacional)
“Acho que as imagens relacionadas à Covid e ao sofrimento dos povos indígenas são muito fortes.”
(Doador internacional)
Crédito: El País

Ainda sobre a pandemia, uma imagem do fotógrafo Joédson Alves, para a agência EFE, uma mulher Yanomami com uma máscara de proteção contra a Covid-19 nas mãos, foi reproduzida em publicações no Brasil e ao redor do mundo e viralizou nas redes sociais, ficando entre as finalistas do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos na categoria fotojornalismo. Após uma reclamação da Hutukara Associação Yanomami e uma longa discussão sobre liberdade de imprensa, ética jornalística e direitos dos povos indígenas, o júri decidiu desqualificar o trabalho. 

Na carta enviada ao Instituto Vladimir Herzog, Dário Yanomami afirmou que a “plena cidadania dos indígenas no país passa pela garantia de seus direitos fundamentais, incluindo o direito personalíssimo à imagem”, e que “o registro, veiculação e comercialização da imagem do povo Yanomami sem sua consulta e consentimento acaba por reproduzir estereótipos aos quais não queremos ser identificados”.

Um pouco antes da COP26, a iniciativa Climate Outreach lançou uma série de recomendações para o aperfeiçoamento de práticas visuais de profissionais de produção, edição, distribuição, agências e publicação de conteúdo que desejam trabalhar com imagens de comunidades indígenas da América do Sul e Central. Entre elas, por exemplo, que a produção de conteúdo, a modelagem de narrativas e a distribuição de informações devem permanecer sob o controle indígena, que profissionais de mídia devem se aproximar dos povos indígenas e aprender de suas abordagens próprias para narrativa visual e que produção de conteúdo e de imagem, dentro de comunidades indígenas, deve, sempre que possível, ser compartilhadas de volta com quem participou dela. 

Vida cotidiana, subjetividades, modos de vida

Ainda que reconhecendo o trágico momento do país e a importância de denúncias e atos de resistência, diversas pessoas, em particular os comunicadores e profissionais do campo da arte e da cultura, defenderam a necessidade de ampliar o repertório de imagens sobre o dia a dia, sobre a diversidade cultural - não apenas de festas e rituais, mas a vivenciada cotidianamente - e sobre os modos de vida dos povos tradicionais para diversificar as narrativas visuais atualmente predominantes.

Crédito: Climate Outreach
“Precisamos de mais imagens do cotidiano que revelem a humanidade dos indígenas. As imagens têm esse poder de naturalizar o cotidiano e não somente de reforçar o exotismo.”
(Cineasta indígena)
“Os quilombolas e os indígenas em seus rituais diários, com as crianças, nos territórios, são imagens que me emocionam e têm um poder que talvez possa ser mais trabalhado. São imagens que falam sobre a dignidade e sobre estar profundamente conectado, aterrados, onde vivem. São imagens que falam sobre dignidade e vida. Coisa importante de ser trabalhada, essa coisa da identidade que resiste e que se constrói no território, que não tem vergonha de falar do passado, pelo contrário, se fortalece.”
(Jornalista)
“Não tem só como falar de coisas bonitas se a gente não consegue ter a garantia de nossos territórios. Mas acho extremamente importante fazer esse esforço de mostrar o bem viver dos povos indígenas, da cultura, inclusive com mais divulgação do que vem sendo produzido por artistas e autores indígenas.”
(Comunicadora indígena)
“Eu não me ligo nas imagens catastróficas, eu estou sempre buscando as imagens de vida.”
(Cineasta)
“Acho que faltam imagens cotidianas que revelem a subjetividade, que naturalizem o cotidiano deles, que se contraponham às imagens de vulnerabilidade. Essas seriam imagens importantes.”
(Jornalista)
Crédito: Instituto Socioambiental (ISA)
“Acho que os livros de Davi Kopenawa e Ailton Krenak formam na cabeça dos leitores imagens únicas e inéditas sobre as florestas e sobre as cosmologias de povos indígenas. As imagens de Claudia Andujar também são as mais icônicas nesse sentido.”
(Artista)
“Eu entendo que tenham situações, e situações de emergência, mas acho que muitas vezes, imagens como ‘vamos ajudar os índios’ começam a alimentar todo um assistencialismo e toda uma falta de consciência. A forma como os Ashaninka se colocam, por exemplo, com uma postura quase austera, sempre deixa muito claro a questão epicêntrica do saber. É uma outra pegada.”
(Editora)
Legenda: Indígenas Ashaninka na Aldeia Apiwtxa, no Acre
Crédito: Pedro França/MinC
“Acho importante valorizar a estética, a beleza, a imponência, porque a gente vê esse tema sempre de um ponto de vista muito triste.”
(Jornalista)
subcapítulo

A estética e o alcance de Sebastião Salgado

Sebastião Salgado foi bastante lembrado, celebrado na maioria das vezes, com elogios superlativos às suas fotos e ao alcance de seu trabalho. Críticas, não novas, à linguagem estética do fotógrafo e alguns de seus posicionamentos políticos também foram feitas, ainda que por uma menor parte de entrevistados. 

As suas imagens e seu nome foram os únicos lembrados por alguns entrevistados e também foi a única referência citada por representantes do agronegócio. 

O consagrado fotógrafo, que foi um dos vencedores do 32° Praemium Imperiale, considerado como o Nobel das Artes, em 2021, é diretor do Instituto Terra, responsável pelo processo de recuperação de mais de 21,1 milhões de m² de áreas degradadas de Mata Atlântica no Médio Rio Doce. 

Também em 2021, Sebastião Salgado lançou o livro “Amazônia”, pela editora Taschen, obra que conta com mais de 200 fotografias da “Amazônia viva”, como diz ele, tiradas em diversas expedições à floresta entre 2013 e 2019 e dedicada aos povos indígenas.  

Crédito: Reprodução Instagram

Além das fotografias do livro, sete vídeos com testemunhos de lideranças indígenas sobre a importância da Amazônia e os problemas enfrentados hoje em sua sobrevivência na floresta compõem a exposição, que depois de passar por cidades europeias, chegou ao Brasil. “Esta exposição tem o objetivo de alimentar o debate sobre o futuro da floresta amazônica. É algo que deve ser feito com a participação de todos no planeta, junto com as organizações indígenas”, afirmou Sebastião Salgado em uma entrevista ao RG.  

Para Sebastião Salgado, o conjunto de reportagens de expedições para a Amazônia publicadas pela Folha de São Paulo, com fotos suas, foi a maior cobertura que já se fez sobre as comunidades indígenas do Brasil. “Foi colossal", disse ele durante conversa com o colunista do UOL Jamil Chade e o jornalista Leão Serva, que o acompanhou nas expedições.

Crédito: UOL

“Aquelas imagens do Sebastião Salgado, magníficas, monumentais. Elas costumam ficar gravadas na mente.”
(ONG nacional)
​​”Apesar de reforçar um estereótipo do índio puro, o Sebastião Salgado tem algo muito forte. Ele tem amplo alcance e penetração junto à classe média, atrai um engajamento por meio de um viés mais ingênuo, idealizado.”
(Cineasta)
"Sebastião Salgado, obviamente, é um fotógrafo que leva a mensagem dos povos indígenas ao redor do mundo.”
(Correspondente)
“O Sebastião Salgado conseguiu fazer umas imagens incríveis que funcionam como uma forma de visualização do que são os rios voadores, porque é importante você conseguir transformar isso em imagem. Você vê chuva descendo, mas também subindo. É uma coisa impressionante.”
(Antropólogo)
“O trabalho do Sebastião Salgado é fenomenal. Na verdade, ele é voz e imagem, né? As imagens são poderosas, mas a voz dele também.”
(Cientista)
“Vou revelar aqui pra você que eu fico um pouco incomodado com essas fotos posadas. É uma tentativa de construir uma imagem, em alguns casos de tentar atribuir a grupos indígenas características que talvez eles já não tenham mais no seu dia a dia. Entendo que essas imagens têm um efeito multiplicador, cultural, de visibilidade, até de levantamento de recursos para projetos, mas me incomodam.”
(Jornalista)

Tecnologia, isolados, adornos e autoria das fotos

Um número bem menor de entrevistados, em particular os doadores internacionais, destacou com interesse e curiosidade imagens de indígenas fazendo uso de tecnologia para a proteção de seus territórios, ou o uso de tecnologia em manifestações políticas. Houve também aqueles que destacaram imagens de intervenções em monumentos históricos.

“Gosto de imagens de jovens usando um drone para controlar seus territórios, de um grupo indígena que tem amarrado telefones celulares antigos em árvores para monitoramento.”
(Doador internacional)
“Aquela projeção de arte indígena Yanomami no Congresso, apesar de estar tratando de algo muito grave, aponta para um futuro promissor. Obviamente, eles não fizeram aquilo sozinhos, mas tem um conjunto de coisas muito interessantes ali: ação inusitada, proatividade, domínio de linguagem e tecnologia.”
(Curador)
“Tem o episódio que ficou muito famoso, de aliados dos Guarani que jogaram uma tinta vermelha no Monumento às Bandeiras do Victor Brecheret. Os Guarani foram atacados na mídia, como vândalos, e a carta do Marcos dos Santos Tupã foi muito importante, explicando que, para eles, a pintura não é um vandalismo, ela é uma transformação dos corpos, e que aquela tinta vermelha era uma forma de trazer vida para aquela pedra, no sentido de ativar naquela pedra, toda a história de violência contra os povos indígenas e, de uma certa forma, ativar a sensibilidade dos bandeirantes e de uma São Paulo que é muito bandeirante, e que vai destruindo tudo em nome do progresso.”
(Antropóloga)

Crédito: Instituto Socioambiental

Uma grande parte de entrevistados internacionais incluiu imagens de povos isolados entre as icônicas, que suscitam também muitas questões, como as que surgiram quando Ricardo Stuckert publicou fotos de indígenas isolados no Acre em 2016

“Acho que você viu algumas imagens incríveis de indígenas em isolamento voluntário capturadas por sobrevoos que meio que, pra mim, retratam perfeitamente a complexidade de reconhecer que os povos indígenas não são um grupo homogêneo e que há toda uma diversidade de povos, com toda a diversidade de línguas, com toda a diversidade de práticas e modos de vida. Acho que são imagens extremamente inspiradoras, educacionais, que nos ensinam algo bastante profundo e dramático sobre a maneira como vivemos no Ocidente.”
(ONG internacional)
“Tem um fotógrafo em um avião que conseguiu fazer registro de uma tribo isolada anos atrás. Esse tipo de imagem também é sempre poderosa. Existe uma curiosidade enorme sobre essas pessoas que estão desconectadas de nós, do nosso modo de vida.”
(Correspondente internacional)
“Tenho problemas com as imagens de índios isolados. Não sei, sabe, se eles gostariam de estar sendo filmados, acho o zoom inadequado. Talvez eles não queiram ser mostrados.”
(Cineasta)

Os entrevistados internacionais foram os que mais citaram o apelo e o interesse por imagens de indígenas com trajes e adornos.

“Na batalha dos mundos, os indígenas ganham com as imagens. Sempre que tem um evento, uma marcha, os nossos fotógrafos acompanham. Mais do que as histórias, as fotos costumam ser publicadas porque as pessoas adoram ver os povos indígenas com trajes, adornos, pinturas corporais. Essas fotos ganham atenção mundial imediatamente. Os líderes indígenas sabem e fazem bom uso disso.”
(Correspondente internacional)
“Eu sinto que isso é a imagem que as pessoas no Ocidente querem ver de indígenas com seus trajes, suas pinturas corporais. Por outro lado, as imagens que os povos indígenas querem que eles vejam são as imagens deles sentados em reuniões internacionais.”
(Doador internacional)
“Eu gosto do contraste, imagens de lideranças indígenas em seus trajes, em seus espaços de origem, misturadas com imagens deles nesses espaços globais, espaços inesperados. Acho que ainda temos poucas imagens mostrando essas diferentes realidades com as quais muitos deles convivem hoje.”
(ONG internacional)
Crédito: Editora Cousa

Para alguns entrevistados, as imagens que mais circulam ainda tendem a ser bastante estereotipadas, redutoras, desatualizadas, assim como são poucas, pouco conhecidas e pouco valorizadas as imagens de fotógrafos/autorias indígenas. Como contraponto, mencionaram a profusão de imagens e perfis indígenas hoje disponíveis nas Redes Sociais – mais em redes sociais.

“Há um entendimento de que as imagens que vêm sendo produzidas criam uma rede de forças, permitem uma articulação política, na qual os jovens têm um papel fundamental”, afirmou em uma entrevista a antropóloga Aline Moschen, autora de Ta'angaba: conversas sobre imagens e fotografias indígenas no Espírito Santo.

“As imagens têm um poder gigante e ainda temos poucas imagens indígenas que empoderam e enaltecem.”
(Cineasta indígena)
“Nós somos pouco produtores de imagem. Como cineasta aqui da Amazônia, eu enfrento essa questão. A maioria dos fotógrafos, cineastas e influenciadores são de fora.”
(Cineasta)
“O que me vem à mente são imagens de violência, de invasão de terra, mas poucas imagens. Acho que para o público que precisa mudar a mentalidade e entender o que está acontecendo, as imagens que temos são insuficientes."
(Doador nacional)

Kamikia Kisedje, do povo Kisêdjê, da Terra Indígena Wawi (MT), e Edgar Kanaykõ, do povo Xakriabá, da Terra Indígena Xakriabá (MG), são dois fotógrafos indígenas que costumam descrever a fotografia e o audiovisual como “ferramenta de luta” para os povos indígenas.

Crédito: Kamikia Kisedje
Crédito: Kamikia Kisedje
Crédito: Kamikia Kisedje
Crédito: Kamikia Kisedje
Crédito: Kamikia Kisedje

Kamikia, que se define como “comunicador da floresta”, “repórter indígena”, “cine jornalista”, se formou no projeto “Vídeo nas Aldeias” e, desde 2000, acompanha e registra os povos indígenas do Xingu e os impactos da expansão da produção agropecuária na região. Também vem cobrindo o ATL desde 2012, como colaborador da Apib.

Edgar Kanaykõ é mestre em Antropologia pela UFMG com a tese “Etnovisão: o olhar indígena que atravessa a lente”, que traz reflexões sobre a etnofotografia, que é diferente do não indígena porque, para os indígenas, a fotografia tem também uma relação com o mundo espiritual e o sagrado. Edgar Kanaykõ foi contemplado com o primeiro lugar no Prêmio de Fotografia – Ciência & Arte, concedido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Edgar concorreu com a obra “Iny: o brilho dos espíritos”, classificada em primeiro lugar entre 607 trabalhos apresentados.

Imagens por e pró-Bolsonaro e indígenas como não imagem

As imagens geradas pelo governo Bolsonaro e aquelas em apoio ao seu governo não ficaram de fora nas respostas dos entrevistados.

"Uma imagem de cortar o pulso que me vem à mente sempre é a imagem do ministro Ricardo Salles com um cocar na frente de uma colheitadeira de soja dentro de uma terra indígena. Acho que aquele tipo de imagem representa muito todo esse nosso retrocesso político.”
(Empreendedor socioambiental)
“Hoje em dia, quando vou para a Amazônia, o que me chamam atenção são as imagens dos outdoors pró-Bolsonaro, as camisas com a imagem dele”.
(Correspondente internacional)

Em Sinop, no Mato Grosso, a instalação de outdoors críticos à gestão do presidente Jair Bolsonaro foi impedida devido à pressão e ameaças de apoiadores do governo.

Para os públicos não engajados, a imagem de povos indígenas foi mais associada à vulnerabilidade que à força. Foi quase consenso entre os entrevistados reconhecer que, sob o governo do atual presidente da República, o ataque aos povos indígenas aumentou ainda mais. Como resultado disso, muitos projetam um futuro negativo para os povos indígenas, de “assimilação cultural” e até de “extermínio” – mais em Imagens icônicas e Públicos não engajados.

“Eu diria que os povos tradicionais, infelizmente, ainda são uma não imagem para uma grande parte da sociedade brasileira.” 
(Empresário)
Crédito: Apib Comunicação

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